O Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do planeta e, ao mesmo tempo, o sexto colocado no ranking mundial de desnutrição. Se de um lado há fome, do outro há alimento de sobra. Para solucionar um problema que aparenta ser tão óbvio, diversas organizações trabalham para criar uma ponte entre o alimento que iria para o lixo e quem precisa comer
Uma delas é o programa Mesa Brasil. Presente em todas as capitais brasileiras e em centenas de cidades do interior, a maior rede de bancos de alimentos privada do país percorre diariamente mais de três mil empresas parceiras e leva os alimentos que seriam jogados no lixo para mais de 6 mil entidades sociais. Com essa iniciativa, a organização já ajudou a complementar as refeições de 1,6 milhões de pessoas com mais de 280 milhões de quilos de alimentos desde 2003, ano em que foi criado. Além da distribuição de comida, o programa desenvolve práticas educativas por meio de cursos e palestras nas áreas de nutrição e serviço social como forma de treinar cada vez mais multiplicadores comunitários.
Projeto semelhante é a da ONG Banco de Alimentos. Todos os dias, membros da organização realizam “colheitas urbanas” em supermercados, feiras, agricultores e indústrias. Os alimentos recolhidos vão direto para pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar, ou seja, quando o alimento disponível não fornece nutrientes suficientes ou não estão em bom estado de conservação, prejudicando a saúde do indivíduo.
A ONG também realiza oficinas educativas com dicas de receitas, manipulação e armazenamento correto dos alimentos como forma evitar o desperdício. “Nosso intuito é educar a população de como tratar o alimento. De nada adiantaria ir buscar os produtos que iriam para o lixo e entregá-los em uma instituição que, sem orientação, poderia fazer o mesmo”, explica a coordenadora de projetos educacionais, Camila Rezende.
Outra ação do Banco de Alimentos busca atingir a população que não passa fome, mas desperdiça. “Fazemos palestras, oficinas culinárias, workshops e eventos para passar esses conhecimentos e fechar um ciclo onde todos são atingidos pela informação”, conta Camila. Desde 1999, ano em que foi criado, o Banco de Alimentos já ajudou a evitar que mais de cinco milhões de quilos de comida fossem para o lixo e, em vez disso, seguissem para as 43 instituições beneficiadas que ajudam jovens, crianças, idosos, pessoas portadoras de deficiência física ou mental e dependentes químicos.
Consumidores satisfeitos
O Instituto Alana foi buscar nos restaurantes a solução para o problema do desperdício de alimento. Por meio do programa Satisfeito, realizado em parceria com o grupo Egeu, o projeto busca reduzir o desperdício enquanto ajuda a financiar programas de combate à insegurança alimentar infantil.
Segundo Luiza Esteves, coordenadora da ação, a ideia surgiu a partir de um incômodo: “Muitas vezes a gente vai a um restaurante e quando pedimos um prato, vem muito mais do que gostaríamos. Aí das duas uma; ou deixamos sobra de comida e ficamos sentidos por causa do desperdício, ou a gente acaba comendo tudo e passa mal porque comemos além do que deveríamos”, observa.
O programa funciona assim: o cliente chega ao restaurante e lhe é oferecido o cardápio com opções de refeição na versão “Satisfeito”. Esses pratos são servidos com 1/3 a menos de comida do que a versão tradicional. Ao fazer essa opção, o consumidor paga o mesmo preço pelo prato e o valor economizado pelo restaurante é repassado, integralmente, para organizações que ajudam crianças em situação de insegurança alimentar.
A iniciativa foi lançada em dezembro de 2012 e já conta com 14 restaurantes em operação, oito em fase de implementação e três organizações beneficiadas: duas brasileiras e uma sul-africana. De acordo com Luiza Esteves, até o momento, já foi repassado às instituições o equivalente a 7 mil refeições que seriam desperdiçadas. Ainda em 2013 o projeto deve se estender por mais 100 restaurantes internacionais, a lém de ganhar um aplicativo para celulares.
Um projeto que tem buscado dar uma nova destinação às sobras dos restaurantes vem da rede de fast food McDonald’s. Desenvolvido pela empresa, o programa pretende abastecer os caminhões da rede no Brasil com biodiesel produzido a partir do óleo de cozinha utilizado nos próprios restaurantes. “Em um processo de logística reversa, os caminhões, ao entregar os produtos, recolhem o óleo de cozinha utilizado nos restaurantes da rede. Este óleo é encaminhado a uma usina de transformação, onde é convertido em biodiesel, e os veículos são abastecidos com esse combustível”, pontua a assessoria do McDonald’s, que informou ainda que o projeto está em fase de testes.
Poder da sociedade
Apesar de iniciativas animadoras, o poder do cidadão continua sendo a peça fundamental para a solução dos problemas. É o que defende a coordenadora do projeto Satisfeito, ao lembrar que o grande diferencial do programa é lidar diretamente com a escolha dos consumidores. “O programa, na verdade, funciona como um facilitador de uma doação que quem faz é o consumidor”, aponta. Segundo Luiza, as pessoas que escolhem as refeições reduzidas o fazem porque percebem que, com isso, estão ajudando a resolver os dois lados do problema: o desperdício e a criança passando fome. “E ao mesmo tempo, o cliente se sente atendido pelo restaurante porque houve a opção. E todos nós deveríamos ter a opção de não desperdiçar”, defende.
Para Camila Rezende, do Banco de Alimentos, é justamente a conscientização dos consumidores o maior desafio para combater o problema do desperdício. “Fala-se muito em desperdício de água e luz e hoje vemos que todos entendem o porquê e tentam de alguma forma prevenir. No entanto, o desperdício de alimentos é pouco falado, a ideia que ainda temos dentro de casa é da fartura, de alimentos sobre a mesa e que não existe problema em desperdiçar somente um pouco de comida”.
Luiza reforça o papel das organizações e acredita que elas podem contribuir compartilhando conhecimentos e boas práticas. “Temos que unir forças e nos apoiar porque o objetivo é comum e existe bastante sinergia”. A ideia é compartilhada pela coordenadora do Banco de Alimentos, que defende que as ONGs levem seus conhecimentos para a população e conscientizem sobre a importância do consumo consciente. “Assim, cria-se uma corrente de informação, onde todos podem transmitir essa ideia a fim de diminuir estes índices tão absurdos que vemos hoje”, conclui.
Veículo: Empresas e Negócios