Especialistas discutem prioridades para pesquisa com planta nativa das altitudes andinas, mas que pode ganhar espaço no Cerrado brasileiro
Liliane Castelões
Da Embrapa Cerrados
Estabelecer ações prioritárias para a pesquisa com quinoa e estratégias para ampliar mercado e consumo no Brasil foram os principais objetivos do Workshop Ano Internacional da Quinoa, realizado, na última quinta-feira (13), pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com apoio da Embrapa Cerrados, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A quinoa é uma planta nativa da Colômbia, Peru e Chile, que produz um grão considerado muito importante à alimentação e à vida do homem já que não contém o glúten (item considerado restrito para muitas pessoas). Embora tenha sido substituída pelos grãos consumidos na Europa, como o trigo e a cevada, a quinoa, apresenta um bom resultado como cultura de verão nas entressafras, por ser botanicamente diferente das espécies nativas. Além disso, a planta é mais resistente às pragas e doenças que ficam nos restos de cultura e plantas espontâneas, diminuindo seu impacto negativo.
O Ano Internacional da Quinoa foi proposto pelos países membros das Nações Unidas, sob a liderança da Bolívia, e lançado em fevereiro. Cultura cultivada há mais de sete mil anos nos países andinos, a quinoa é considerada pela FAO como grão estratégico para a segurança alimentar.
O evento reuniu produtores, pesquisadores, representantes de órgãos públicos e setor privado. A Bolívia e o México, países produtores da quinoa, foram representados, respectivamente, pelo embaixador Jerjes Talavera e pelo conselheiro para assuntos políticos José Luis Uribe. Da embaixada da Bolívia no Brasil participou também o primeiro secretário Faleg Cópas.
O representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic, afirmou que entre os objetivos do Ano Internacional da Quinoa está a integração dos atores da cadeia produtiva da quinoa. "É uma cultura de grande potencial agronômico e industrial, de alto valor nutricional que deve ser inserida em programas federais como os de merenda escolar e de alimentação de grupos vulneráveis", destacou.
PESQUISA
O chefe-geral da Embrapa Cerrados, José Roberto Peres, considerou o evento como o marco da retomada da pesquisa com o grão. "É o momento de resgatarmos a pesquisa. Temos o desafio de incrementar os sistemas de produção, seja convencional ou orgânico, para atender à demanda do mercado", disse.
Os novos estudos serão focados nas prioridades elencadas ao final do workshop e desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar. Em relação ao sistema de produção serão executadas pesquisas em melhoramento genético, com vistas à uniformidade de ciclo e tipo de plantas, precocidade, qualidade dos grãos e enriquecimento do banco de germoplasma.
Atualmente, a Embrapa Cerrados desenvolve pesquisas com genótipos oriundos da primeira cultivar brasileira, a BRS Piabiru. O pesquisador Walter Quadros explicou que estão selecionando novos materiais, principalmente precoces e para produção na agricultura familiar. A caracterização e enriquecimento do banco de germoplasma, que conta com cerca de mil acessos, também é meta do projeto de pesquisa.
As pesquisas com quinoa na Embrapa Cerrados foram iniciadas na década de 90. O então pesquisador da Embrapa Cerrados Carlos Spehar, atualmente professor da Universidade de Brasília (UnB), fez as primeiras seleções com o objetivo de que a cultura fosse compor o sistema de produção e uma alternativa para diversificação no plantio direto. "A primeira demanda era agrícola, a alimentar surgiu depois. O que gerou o investimento em preparo de alimentos", comentou.
COMPETIÇÃO NO MERCADO
O produtor Sebastião Conrado, da Fazenda Dom Bosco, em Cristalina (GO), vem apostando na quinoa desde o início das pesquisas. A plantação de BRS Piaburu, em 2012, lhe rendeu cerca de R$ 4 mil por hectare. "Não é um valor insignificante, mas, na minha região, não compensa por que o lucro é muito maior com feijão, milho e hortaliças", disse. Além da competição econômica com outras culturas, ainda existem as dificuldades com os maquinários, principalmente colheitadeira e secador de grãos.
A adequação tecnológica para o cultivo não é o único problema. O preço da importação e a resistência alimentar dificultam a consolidação do mercado. Para Adilson de Oliveira, do Instituto Federal de Brasília, a perspectiva é de que os preços elevados e a demanda reprimida persistam por algum tempo. "Enquanto dependermos de importação, a situação será essa. O mercado tem potencial mediante a queda do preço e o maior conhecimento sobre as alternativas de uso", frisou.
Cerca de 70% da quinoa adquirida por empresas brasileiras é importada da Bolívia. O principal mercado demandante de quinoa é São Paulo, seguido de Santa Catarina, que são pólos de processamento do grão. Geralmente, a quinoa é incluída em alimentos já processados, como farinha de milho ou leite.
PRODUTOS
Um subproduto da quinoa que está sendo utilizado é o extrato. O diretor do Instituto Biophytis do Brasil, Clayton Corrêa, relatou como a empresa de origem francesa está investindo na produção de um medicamento que combate a obesidade abdominal e a perda da massa muscular. O "quinolia" já está registrado na França e passará por ensaios toxicológicos e pré-clínicos no Brasil.
Em função dos múltiplos usos da quinoa, a perspectiva é segmentar o mercado, buscando atender as demandas para processamento industrial e para consumo in natura. Para fomentar a produção e o consumo, os participantes do workshop defendem a criação de associações de produtores e beneficiadores, além de linhas específicas em políticas públicas.
AÇÕES
Dentre as atividades desenvolvidas este ano para a promoção da quinoa destacam-se o estabelecimento de uma rede global de pesquisa; exibição itinerante sobre os benefícios do consumo do grão nos cinco continentes; realização, em julho, no Equador, do Congresso Mundial; publicação de catálogo de variedades e de livro de receitas internacional no contexto do programa Chefs contra a Fome.
De acordo com o representante da FAO, as ações promocionais implementadas este ano se tornarão contínuas. "Os comitês - o Internacional e os que serão criados por cada país, como já fizeram o Chile, Peru e a Bolívia - serão responsáveis em reforçar continuadamente o conhecimento sobre a quinoa. Saíremos do baixo conhecimento para tornar o grão altamente conhecido e consumido", disse.
Veículo: Diário da Manhã - GO