Supersafra de milho trava em falha logística

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Produção deu um salto, mas infraestrutura não acompanha

O monte de milho acima tinha cerca de 18 metros de altura – o equivalente a um prédio de sete andares – quando a foto foi tirada na última terça-feira. Era quase do tamanho da portentosa estrutura de alumínio dos silos vistos ao fundo, que possuem 20 metros. Como a colheita do milho da chamada safrinha, que ocorre no inverno, ainda está em curso,a pilha dourada segue crescendo no pátio do Valedo Verde, armazém geral que atende produtores e comercializadores de grãos, em Sinop, município a 480 quilômetros da capital de Mato Grosso.

A montanha de grãos não está só. Técnicos do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), que regularmente percorrem o Estado para ver de perto a produção,também encontraram milho a céu aberto nos municípios vizinhos de Lucas do Rio Verde, Sorriso, Tapurah e Nova Mutum.

Essa região,no chamado Médio Norte de Mato Grosso, bem no coração do Estado, é referência para o agronegócio nacional. Seus 16 municípios respondem por cerca de 40% daprodução do Estado e quase 10% da produção de grãos do País. Dos 3 milhões de hectares ocupados por milho em Mato Grosso neste momento, 1,6milhão –53%do total – estáno Médio Norte.No entanto, esse é também um dos locais do País que mais sofrem com as deficiências na infraestrutura.

A montanha de milho em Sinop faz uma síntese do enrosco. Na área estão oito silos. Seis têm milho,mas dois deles estão carregados de soja. Enquanto toda a soja não for retirada, o milho não entra porque não se pode misturar os dois grãos. “Eu tenho o equivalente a 450 mil sacas de milho empilhadas no chão e dois armazéns ocupados com 800 mil sacas de soja, 80% delas já vendidas”, diz Vinícios Mecca,gerente comercial do Vale do Verde. “Se a soja já tivesse saído, todo aquele milho não estaria do lado de fora.”

Há quatro razões básicas para que ainda haja soja nos armazéns.Duas delas são de caráter comercial. Uma parte da soja fica mesmo na região, todos os anos, para suprir a produção de óleo e de farelo. Outra quantidade adicional ficou para trás porque alguns produtores esperaram para vender a soja depois da colheita a umpreço melhor.

Os outros motivos são exemplos de como as deficiências na estrutura do Brasil podem comprometer o agronegócio, um dos setores mais prósperos da economia. Na safra deste ano, a exportação de soja foi atrapalhada pelo boom do milho na safrinha de 2012.Os dois grãos tiveram de disputar espaço nos caminhões, nos armazéns e nos portos. No primeiro trimestre deste ano, apenas 1,9 milhão de toneladas de soja havia sido embarcada – uma queda de 42% em relação aos 3 milhões de toneladas que já tinham sido despachadas no mesmo período de 2012. Ainda havia milho da safra passada sendo exportado em fevereiro e março, quando a soja já podia ser embarcada.

O outro problema é o número de armazéns, que é insuficiente para atender à prosperidade de duas culturas ao mesmo tempo.Mato Grosso tem 2.274 armazéns registrados na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Pouco mais da metade, 1.270 silos, estão ao norte do Estado. A capacidade total de armazenamento de Mato Grosso é de 29 milhões de toneladas. A perspectiva é que, na safra atual, o Estado colha 45 milhões de toneladas degrãos – entre soja, milho e outros produtos. O ideal seria que o Estado fosse capaz de estocar uma colheita completa. Os Estados Unidos, um dos maiores produtores do planeta, têm capacidade para estocar o equivalente a duas safras

Neste ano, existe um componente adicional pressionando a estocagem: a decisão dos principais portos exportadores de grãos – Santos,em São Paulo, e Paranaguá, no Paraná – de eliminar as longas e constrangedoras filas de caminhões em seus portões. Normalmente, os grãos são escoados ainda na colheita e a produção, cada vez maior, sobrecarrega a logística já capenga.Como o transporte fica moroso, os caminhões se transformam em silos sobre rodas: armazenam os grãos enquanto fazem fila nas estradas. Agora os portos decidiram só receber caminhões com agendamento e os grãos ficam mais tempo nos silos.Como o país produz mais do que pode guardar, uma hora os grãos ficam a céu aberto. “Não há falta de capacidade para embarque aqui –Santos pode despachar 200 mil toneladas por dia”, diz Carlos Kopittke, diretor comercial de Santos. “O que falta é armazenagem na fazenda.”

Em 19 de abril, a Codesp, empresa que administra Santos, publicou uma resolução estabelecendo normas para receber os caminhões e definindo punições para quem descumpri- las.Um sistema de controle de tráfego, que inclui agendamento da chegada dos caminhões pela internet, está em implantação e deve entrar em operação em 60 dias. “Não estamos brecando os embarques, estamos organizando para receber e embarcar a carga de forma cadenciada”, diz Kopittke.“As filas de caminhões são um desgaste para as comunidades no entorno e um prejuízo para todos, não podem continuar.”

Em Paranaguá, o sistema de agendamento já estava em operação, mas a autoridade portuária decidiu aplicá-lo com mais rigor. “O porto não é lugar para fazer armazenagem de safra”, diz Luiz Henrique Dividino, superintendente dos Portos de Paranaguá e Antonina. “O único estoque que devemos ter é o de passagem entre o desembarque do caminhão e o embarque no navio.” Segundo Dividino,o agendamento agilizou o trânsito de caminhões. Entre janeiro e junho, quase 190 mil caminhões foram recebidos no pátio do porto, 10 mil a mais que em 2012.O número fica mais vistoso quando se leva em contaque Paranaguá ficou o equivalente a 51 dias sem operar no primeiro semestre por causa das chuvas. Em contato com a umidade, os grãos podem mofar ou até brotar,por isso o trabalho é suspenso quando o tempo fecha.

Crescimento acelerado. O cultivo do milho foi adotado apenas para enriquecer e preparar o solo para a produção da soja, o carro-chefe da agricultura brasileira. O produto auxiliar, porém, ganhou envergadura e virou um negócio com vida própria. A estimativa é que o Brasil vá colher 79 milhões de toneladas de milho neste ano, uma supersafra. A produção avançou com tal velocidade que encostou na de soja, que, se estima, chegará a 82milhões de toneladas. O Mato Grosso é pródigo para o grão.Em 2011,o Estado colheu 7 milhões de toneladas de milho. Em 2012, 15 milhões. Neste ano, a previsão é que a produção vá a 18milhões. “No agronegócio de MatoGrosso, as coisas acontecem muito depressa”, diz João Carlos Garcia, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo. “Mas a infraestrutura do País não consegue acompanhar.”

CAMINHÃO DÁ PREJUÍZO PARA O PRODUTOR


O fazendeiro Adelmo Zuanazzi passou as últimas semanas com uma única preocupação na cabeça: vender parte da produção de milho com o menor prejuízo possível para não colocar nem um grão ao relento. Não que ele não tenha onde guardar a sua colheita.Muito pelo contrário. Zuanazzi é um produtor que fez o dever de casa. Desde 1998, investiu R$2,5 milhões em seis silos capazes de receber 20 mil toneladas de grãos na região de Sinop.Normalmente,a estrutura é suficiente para abrigar os estoques. Neste ano porém, ele vive uma situação atípica. A produção de milho nos principais países produtores – Argentina, Estados Unidos, Ucrânia e Brasil – promete ser farta.Como ocorre nessas ocasiões, o aumento da oferta fez o preço despencar. Seus silos estão lotados, ele não consegue um preço para cobrir os custos, mas ainda está colhendo milho.“ Pelo preço que oferecem, tenho um prejuízo de R$ 4 para cada saca de milho que vender”, disse Zuanazzi.

Os produtores no Médio Norte do Mato Grosso, como Zuanazzi, gastaram entre R$ 10 e R$ 12 para produzir cada saca de milho colhido na atual safra. Noentanto, como planta, no coração de Mato Grosso, a busca pelo preço justo é complicada.Quando se trata de produtos agrícolas,quanto mais longo e custoso for o trajeto para escoar a produção, menor será o preço pago ao produtor.Isso ocorre porque quem adquire o grão desconta o valor do transporte. O escoamento da produção nas cidades no Médio Norte só tem uma saída: o caminhão rodando pela BR-163, uma estrada com muitas deficiências, ainda em obras e trechos por asfaltar.

Uma rodovia, mesmo quando bem pavimentada,é delonge,a pior alternativa para o agronegócio. O custo de transporte sob pneus sai por cerca de R$320 a tonelada.Se a carga seguir por trem, o valor cai para menos da metade: R$ 120 a tonelada. A opção mais competitiva é a hidrovia. Custa cerca de R$ 65 a tonelada transportada. “Em nenhum outro lugar no mundo, além do Brasil, safras de grãos são transportadas por rodovia”, diz Leonildo Barei, presidentedo Sindicato Rural de Sinop. “Qualquer um sabe que o caminhão é a pior alternativa porque, além de caro para o produtor, desgasta as estradas, o que exige investimentos altos e constantes em manutenção, e ainda acarreta perdasdacarga – cerca de 1% da safra de grão do Brasil caidas carrocerias.”O desperdício é visível.Quem passa pela BR-163 hoje, por exemplo, pode ver o milho colorindo de amarelo trechos do acostamento.

Não é difícil também dimensionar as perdas dos produtores, Basta ver a cotação do milho por região. Na sexta-feira passada, o produtor de Rondonópolis, ao sul do MatoGrosso, podia vender a saca de milho por pouco mais de R$ 14. Rondonópolis está a 98 quilômetros dos trilhos da ALL, ferrovia que liga o sul do Mato Grosso ao Porto de Santos. A mesma saca nas cidades do Médio Norte, como Sinop, Sorriso e Lucas do Rio Verde, valia pouco mais de R$ 8. “Não faz o menor sentido estarmos nessa situação”, diz Zuanazzi. “Para dar um salto na produção de milho foi preciso investir em novas variedades de sementes e no plantio. Nós fizemos a nossa parte, que é produzir mais e melhor. Falta o governo fazer a dele e garantir uma infraestrutura competitiva.”

FALTA TIRAR BONS PROJETOS DA GAVETA


O que não faltam para o Médio Norte de Mato Grosso são bons projetos de logística. O problema é que eles não saem do papel. “A logística não é problema do produtore, infelizmente,avança muito devagar”, diz Ângelo Ozelame, analista do Imea. A região, por exemplo, deveria ser servida pelos trilhos de uma ferrovia, a Ferronorte. Pelo projeto,concebido nos anos 80 pelo empresário Olacyr de Moraes, a linha férrea ligaria Porto Velho, em Rondônia, ao Porto de Santos, em São Paulo,passando por Santarém, no Pará, o Médio Norte de Mato Grosso e a capital Cuiabá.Apenas o trecho sul do Estado, hoje com a ALL,vingou. Os trilhos estão em Itiquira e lentamente seguem rumo a Rondonópolis, sem prazo para alcançar o norte.

Também está no papel o projeto de uma hidrovia para atender a região, a Tapajós-Teles Piles. Pela proposta, os cais de atracação ficariam a cerca de 15 quilômetros de Sinop. Toda a produção do agronegócio local chegaria por barcaças até Santarém e,de lá, pelo Rio Amazonas, ganharia acesso ao mar e aos navios. A rota é a ideal, Tem o menor custo e o menor gasto de tempo até o mercado asiático, porque os navios chegam com rapidez ao Pacífico atravessando o Canal do Panamá, na América Central. A hidrovia, porém, depende da conclusão de hidrelétricas que têm sofrido oposição de índios e do Ministério Público. As barragens já em construção,porém,não incluem as eclusas nos projetos originaiso que levanta dúvidas sobre o futuro da proposta. Na quinta-feira da semana passada, no entanto, o Diário Oficial da União publicou um contrato assinado pelo governo que prevê a execução do Estudo de Viabilidade da Hidrovia Tapajós- Teles Pires.O trabalho deve definir quais são as intervenções necessárias para tornar os rios navegáveis.

O projeto em estado mais avançado, mas ainda assim com o cronograma muito atrasado, é o da pavimentação do trecho norte da BR-163 para agilizar a saída rodoviária até o terminal de Santarém, no Pará. A obra,incluí dano Programa de Aceleração do Crescimento, deveria estar pronta desde 2010, mas hoje quase metade da BR-163 no Estado do Pará é um caminho de chão batido, com muita lama quando chove. Estudo divulgado pela Confederação Nacional da Indústria estima que a conclusão da 163 pode gerar uma economia de R$ 1,4 bilhão por ano ao País em gastos com transporte.



Veículo: O Estado de S. Paulo


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