Alforria para a comercialização do queijo mineiro

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Instrução normativa que define medidas para a comercialização do produto típico mineiro em outros estados é revisada. Produtores querem estudos que serão lastro para o tempo de maturação

Depois de exaustivo trabalho de produtores rurais mineiros nos bastidores políticos, o governo federal cedeu à pressão e enfim revisou a instrução normativa que estabelece os parâmetros para comercialização legal do queijo artesanal feito à base de leite cru além das divisas mineiras. Diante disso, hoje, em uma audiência pública na Assembleia Legislativa, produtores vão solicitar verba para a elaboração de novos estudos sobre o tema.

O entendimento é que a cadeia do leite tenha passado por significativa melhora de ordem sanitária nos últimos anos e que a atualização das pesquisas indique a possibilidade da venda depois de períodos menores de maturação.

Até então, a Instrução Normativa 57, publicada em 2011, era a promessa de alforria do queijo mineiro. Mas, entre outros, o prazo de 60 dias de maturação inviabilizava a venda do produto para a parcela mais significativa do mercado consumidor, ou seja, os moradores de todo o restante do país. A revisão, assinada ontem pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Antônio Andrade, altera essa regra.

A partir de agora, o tempo de maturação será definido por pesquisas aprovadas por órgão estadual de inspeção industrial e sanitária reconhecido pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi/POA). Antes, a exigência era que os estudos fossem analisados por comitê designado pelo Mapa. “Vamos tirar milhares de queijeiros espalhados por esse Brasil do regime de escravidão produtiva. Hoje muita gente não pode comer porque o queijo pode matar, mas até hoje quem morreu?”, questiona o presidente da Associação dos Produtores do Queijo Canastra (Aprocan) e um dos principais responsáveis pela revisão do regulamento, João Carlos Leite.


“O queijo não poderia sair de São Roque de Minas para São Paulo, que está ali a 100 quilômetros, mas poderia ir para Almenara, distante quase 2 mil quilômetros. Algo inusitado”, critica o governador Antonio Anastasia, comemorando em seguida a revisão da legislação: “Ainda que tardia chegou a hora da alforria do nosso queijo”, disse Anastasia ao lado do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, e parte da bancada da Assembleia Legislativa.

Pelas novas regras, os produtores agora também serão obrigados a comprovar que suas propriedades têm controle de brucelose e tuberculose nos últimos três anos, além de ser obrigatória a apresentação dos estudos técnico-científicos mostrando o tempo de maturação mínimo necessário para o produto estar adequado às exigências sanitárias.

Em Minas, estudos feitos na década passada permitem a comercialização do queijo feito na Serra da Canastra e no Serro com 22 e 17 dias de maturação, respectivamente. O prazo, no entanto, é considerado dilatado. Atualmente, os queijos são vendidos tendo entre sete e 10 dias de maturação. O aumento desse período resultaria em alta considerável do custo de produção e ficaria liberada a venda somente do meia cura e do curado, excluindo, por exemplo, o frescal.

MELHORIAS

A alteração na instrução normativa não se restringe ao tempo de maturação (veja quadro). A regra anterior definia que a propriedade rural deveria estar situada em região reconhecida como de indicação geográfica. Hoje essa localização não é mais obrigatória. Além disso, o leite deveria ser analisado por laboratório credenciado à Rede Brasileira da Qualidade do Leite mensalmente, o que onerava bastante a produção. O novo texto mantém a necessidade de análise do leite, mas sem definir a periodicidade, ficando a cargo da instituição fiscalizadora verificar o cumprimento da norma. O produtor deve ainda manter programa de controle de mastite, com a realização de exames para a detecção da doença.

Importante ator na batalha dos mineiros pela revisão das regras de produção e comércio do queijo artesanal feito à base de leite cru, o cineasta Helvécio Ratton, se diz satisfeito com os resultados obtidos com o documentário O mineiro e o queijo. Nas telonas, o diretor expôs as situações a que eram submetidas os queijeiros para vender o produto fora de Minas. Às vésperas do lançamento do filme, o tema entrou na pauta de reivindicações nacionais. “Minha intenção era provocar o debate sobre um interesse cultural. Acredito que trouxe uma carga grande de informação”, afirma Ratton.

 

Próximo passo: circuito turístico

 
A medida que permite o comércio do queijo para outros estados e até para fora do país pode ser considerada mais um passo de um caminho rumo à profissionalização da cadeia. Formada basicamente por produtores familiares, anos atrás a “indústria” pecava por não cumprir regras sanitárias básicas, mas, diante de um novo cenário, o investimento pode garantir a expansão para mercados pouco explorados.

Prova do esforço é que amanhã, será inaugurado em Medeiros, na Serra da Canastra, o primeiro Centro de Qualidade do Queijo Minas Artesanal do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). O entreposto facilitará aos queijeiros a obtenção da permissão de venda a partir dos novos parâmetros do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A partir de acordo entre os governos estadual e federal, o IMA terá autorização para expedir o selo que permite o comércio em outros estados. O produtor João Carlos Leite acredita em novos rumos e cobra a criação de um Circuito do Queijo semelhante ao que existe na França.

O entendimento do mestre em Lácteos pela Universidade da Dinamarca e consultor responsável por auxiliar na elaboração da Lei Estadual 20.549, publicada em dezembro do ano passado para reger a venda do queijo em Minas, Mário Augusto Passos de Paula, é que a histórica restrição à venda do queijo se explica pela deficiência na cadeia leiteira do país. Em países europeus, segundo ele, o leite cru é usado para a produção artesanal de queijo sem restrições, mas por lá a consciência da cadeia leiteira permite isso. Entre outros cuidados básicos, quem ordenha não pode produzir queijo e se é injetado algum medicamento no animal, o queijo não pode ser feito. “A culpa sempre recaiu sobre o queijo, mas ele não tem culpa de nada. É possível fazer um queijo bom de um leite bom, mas é impossível fazer um queijo bom de leite ruim”, afirma Passos de Paula em tom crítico ao formato da cadeia leiteira.



Veículo: Estado de Minas


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