"Efeito baton" é um termo que está pipocando entre alguns representantes da indústria. A expressão resume o que acontece com o setor de cosméticos (daí o nome do fenômeno) que, azeitado, passa ao largo da crise com crescimento de 10% nas vendas no ano passado. Diferente dos produtos que dependem de crédito, o desembolso para comprar um creme, um perfume ou batom costuma ser baixo e, portanto, acessível. Mas não é só isso que explica a disparada nas vendas desses produtos do "efeito batom". A indulgência também pesa forte. O consumidor, cansado do dia-a-dia e das previsões sobre a economia, estaria buscando um "agrado" nesses produtos, pelo prazer que eles proporcionam. O que pouca gente sabe é que o "efeito batom" também inclui a roupa íntima feminina.
"Lingerie é um produto de ´autogratificação´ para a mulher e de baixo custo unitário. Por isso apostamos contra a crise", diz Eva Goldman, vice-presidente da DeMillus e também diretora de marketing da empresa, primeira colocada em peças e faturamento do mercado, com 20% das vendas nacionais de sutiãs e 6% das de calcinhas. A fé no "efeito batom" é tanta que a previsão para 2009, segundo ela, é fazer o faturamento da DeMillusultrapassar os R$ 330 milhões. "As vendas estão tão aquecidas que estamos contratando mais 120 costureiras para nossa fábrica, onde já trabalham quatro mil", diz Eva. A marca vendeu no ano passado 27,117 milhões de peças - 4 milhões a mais que em 2007, o que elevou o faturamento para R$ 299,438 milhões, com 17% de alta em relação a 2007.
Na concorrência, o otimismo é o mesmo. "Só em janeiro, que costuma ser um mês morto para todo mundo, vendemos 17% mais que no mesmo mês de 2008", diz Gustavo Heilberg, diretor de novos negócios do Grupo Scalina, dono da marca Scala, de lingerie, vendida em lojas multimarcas e na rede própria de 64 unidades. "Ainda é cedo para fechar o mês, mas na primeira quinzena de fevereiro já registramos um aumento de 26% em relação ao mesmo período do ano passado", diz Heilberg. Isso, sem contar que em 2008, devido à alta dos insumos (fios, elásticos, energia elétrica) os preços subiram 10%. Só em janeiro, houve reajuste de 8%. "O consumidor não nota o impacto desses aumentos, porque, no preço final, eles representam no máximo R$ 2 ou R$ 3 a mais", diz Andre Duarte, superintendente comercial da TriFil, marca do grupo Scalina.
Alessandra Zegaib, diretora comercial da MyLady, marca que tinha apenas peças para gestantes, lembra que a mulher não compra lingerie só porque precisa dela. "Uma peça bonita, mesmo que fique por baixo da roupa e ninguém veja, faz a mulher se sentir bem. As consumidoras têm buscado esse tipo de recompensa", diz ela.
Em 2008, a MyLady diversificou o mix e passou a vender também lingerie para o dia e para a noite para mulheres grandes (até tamanho 54), além da chamada linha estética (com peças modeladoras). "Até dezembro, registramos um aumento de vendas de 52%. Desse total, meu maior movimento foi durante os meses em que a crise explodiu. E agora, em janeiro, já conseguimos um faturamento 25% maior", diz a executiva.
Na TriFil, o carro-chefe são as meias-calças, que respondem por 35% do faturamento da marca. Só no ano passado, esse item vendeu 29% mais. "Agora também devemos registrar o mesmo percentual de aumento", afirma Duarte. "Na nova coleção teremos meias rendadas, coloridas e em xadrez", conta ele. "A moda estará a nosso favor e permitirá essa variedade."
Todas essas boas estimativas, de acordo com Ana Flôres, consultora especializada nesse mercado, devem fazer o setor crescer 15% neste ano. Em 2008, a alta foi de 14%, com a venda de 835 milhões de peças que resultaram em um faturamento de R$ 4,59 bilhões. Os maiores volumes, segundo ela, ficaram , como é tradicional, com os artigos femininos.
"Mas as cuecas venderam 15% mais (em 2008) e isso nunca aconteceu em tamanha proporção pelo menos nos últimos cinco anos", afirma a consultora. "Há dois, três anos, a maior oferta era do que é trivial: cuecas em três formatos, nas três cores básicas: branco, azul e bege. O homem pedia para a mãe ou para esposa comprar e não se importava com isso." Atualmente, há dezenas de cores e modelos de cueca. "Foi por isso que as vendas subiram tanto. O homem agora quer escolher o que o faz se sentir melhor", diz Ana.
Essa opção pela variedade mostra que a indústria de roupas íntimas vai na direção oposta do puro e simples barateamento do produto. O investimento em tecnologia e peças diferenciadas é cada vez maior. "É o que chamamos de 'produto de atributo'", explica Alessandra, da MyLady. A calcinha que modela a cintura, o sutiã com tecido próprio para esportes ou a cueca ´push up´, que dá mais conforto e mobilidade aos homens, se encaixam nessa definição. "Sem novidade, seja em termos de estilo ou de funcionalidade, a indústria de lingerie não gera desejo. Sem desejo, não se vende", explica ela.
Veículo: Valor Econômico