Pessoas com deficiências chegam ao topo

Leia em 8min

Desde o decreto 3.298 de 1999, que estabeleceu percentuais mínimos para a contratação de portadores de deficiências pelas empresas, vem crescendo a presença desses profissionais no mundo corporativo. Na Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais (Avape), instituição focada na inclusão de portadores de deficiência, a colocação dessas pessoas no mercado de trabalho apresentou um crescimento de 98% em 2008 em relação a 2007, passando de 613 profissionais capacitados e empregados em 2007 para 1.215 em 2008.

 

Contudo, é preciso avançar muito até que esses profissionais ocupem, com mais frequencia, os primeiros escalões das empresas, como é o caso do vice-presidente da Avape, Carlos Ferrari, de 32 anos. Ele é exemplo de um profissional que, mesmo com a barreira da deficiência, conseguiu chegar a postos de liderança e destaque profissional. Ele possui pós-graduação em Marketing e é mestre em Administração de Empresas. Praticamente cego desde bebê, aos sete anos ele perdeu completamente a visão. Além de executivo da Avape, Ferrari também é professor universitário, membro Titular do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e sócio-proprietário da Supera Treinamento e Gestão Sócio-Ambiental.

 

Para Ferrari, seu percurso profissional e pessoal pode ser dividido em dois momentos. Em primeiro lugar está a sua preparação até chegar ao mercado de trabalho, fase na qual ele recebeu um decisivo apoio da família, que mesmo pobre - seu pai era metalúrgico - conseguiu apoiar seus estudos. "O que havia de material em Braile, meu pai buscava. A minha mãe praticamente viveu para mim", conta Ferrari. Ao mesmo tempo em que se dedicava ao estudo, o executivo começou a trabalhar. "Aos 14 anos passei a usar bengala e a pegar ônibus sozinho. Arrumei um emprego como encartador de jornais e depois outro como operador de telemarketing. Aí tudo engrenou", lembra.

 

Quando entrou na faculdade de Administração, Ferrari precisou buscar soluções para conseguir apreender alguns conteúdos, como os elaborados gráficos de microeconomia que eram apresentados em algumas aulas. Quando terminou a graduação, ele começou a dar aulas de telemarketing e informática para pessoas com deficiência em uma organização não governamental (ONG) e também a ministrar treinamentos motivacionais, até que conseguiu uma vaga como docente. "Acho que a maior prova de sucesso desse percurso é que hoje eu sou professor de Administração", ressalta.

 

Na opinião de Ferrari, a sociedade está progredindo no que diz respeito à chegada de portadores de deficiência aos cargos de liderança. "Na Avape, temos trabalhado muito para capacitar e superar a desvantagem educacional que alguns portadores de deficiência têm. O grande desafio é superar essa limitação e sensibilizar as empresas", diz. Para ele, os empregadores precisam deixar de prestar atenção à deficiência (apenas para cumprir as cotas determinadas pela lei) e se aterem à eficiência dessas pessoas.

 

A gerente e consultora de recursos humano da IBM Eliane Pelegrini Ranieri, de 50 anos, que é paraplégica desde os seis meses devido à pólio, está há 24 anos na empresa, onde começou como com atendimento telefônico. Hoje, ela conhece a empresa como poucos. "Tive várias oportunidades de crescimento de carreira aqui dentro. Passei por quase todas as áreas, menos a financeira", diz.

 

Segundo Eliane, sua trajetória não é comum. "A dificuldade para quem tem algum problema de locomoção ou outra deficiência é desenvolver-se e adquirir capacitação para competir no mercado, que se tornou muito especializado. Mas a minha mãe me acompanhou durante toda a minha faculdade. Ela me levava todos os dias. O que falta não é capacidade intelectual, mas condições de desenvolvê-la", diz.Eliane sustenta a opinião de que a situação dos portadores de deficiência melhorou bastante nos últimos anos, mas ainda é preciso avançar, e muito. "Para você chegar a um cargo de diretoria, é preciso se capacitar muito. A IBM é uma empresa que tem uma política de diversidade, mas essa não é uma realidade do mercado", diz. "Para competir em qualquer posição no mercado, é preciso preparo intelectual. Isso é o mais importante - a adaptação física vem depois", completa.

 

Preconceito recua; salários continuam baixos

 

Gaúcho, o proprietário e diretor-geral da Soul AD Propaganda, Geraldo Rodrigues Neto, começou a trabalhar com publicidade aos 18 anos, ainda em Porto Alegre. Com facilidade para escrever, ele conseguiu um emprego como redator júnior de uma pequena agência. Aos 24 anos, ele se mudou para São Paulo, onde passou por agências como Grab-Merit, Adag, Advert e CBBA/JWT. Nesse percurso, ele se tornou um profissional premiados, tanto nacional quanto internacionalmente, chegando mesmo a ganhar um Leão de Ouro no Festival de Publicidade de Cannes com um comercial feito para a bala Soft. Ao todo, o publicitário, conquistou 123 prêmios, um mérito para poucos.

 

A trajetória de Rodrigues Neto, hoje com 55 anos, torna-se ainda mais impressionante devido a um pequeno fato: ele perdeu a visão do olho direito com apenas três anos, ficando apenas com 30% da capacidade do olho esquerdo. A visão diminuiu progressivamente até 2000, quando o publicitário ficou completamente cego. A deficiência foi causado por uma problema genético chamado Síndrome de Von Hippel Lindau. "Ela pode se manifestar na visão ou no fígado. No meu caso, é um distúrbio do sistema vascular do olhos", explica.

 

Rodrigues Neto conta que foi demitido da CBBA - onde havia ingressado como vice-presidente de criação - com três frases: "Os nossos clientes ficam constrangidos com a sua deficiência"; "Você não tem mais condições de avaliar o resultado final do trabalho"; e "Sua assistente não pode te substituir indefinidamente". Para o publicitário, o episódio o "ensinou a nadar": ele partiu para uma carreira individual, inicialmente com um home office.

 

A carreira solo começou com campanhas políticas e com a conta da Gulliver. A Soul AD Propaganda só surgiu em 2002, dois anos após Rodrigues Neto ficar totalmente cego. Com o tempo, a agência foi ganhando clientes e hoje atende marcas como Grow, Construtora Basile, Toyster e Hasbro. A empresa teve um faturamento de R$ 5 milhões em 2008 e prevê um crescimento de 20% a 25% para este ano. "A Soul AD é uma butique de criação, uma agência de autor. Ela é reflexo da minha vontade e da minha libertação", afirma o publicitário.

 

Rodrigues Neto explica como faz para atuar em um ramo tão imagético como a publicidade. "Eu tenho memória visual, pois fiquei cego com 46 anos. Atualizo essa memória na medida do possível. O fato é que o processo criativo é algo interno: tudo é criado mentalmente e só depois é que vira um quadro visual. Nesse momento, há a ajuda de um terceiro, como o redator", explica. No seu dia-a-dia, o publicitário tem total autonomia. Para isso, usa recursos tecnológicos como um relógio que fala as horas, programas de leitura no computador e uma agenda digital, onde registra seus compromissos e os envia eletronicamente para sua secretária.

 

Ser visto como uma espécie de super-herói, com sentidos aguçados, não é algo que agrada Rodrigues Neto. "O que ocorre é que uso mais os outros sentidos. É fácil o cego recorrer à explicação da superdotação, pois quer negar seu problema. Eu não perdi um dedo, mas um sentido. Entender isso e aceitar essa realidade causa sofrimento e leva tempo", diz. "Eu teria buscado o que busquei de qualquer forma, por causa da minha alma e desejo de autonomia", acrescenta.

 

Para ele, a sociedade brasileira não está devidamente preparada para ter líderes que sejam portadores de alguma deficiência. "A sociedade transfere a responsabilidade para os outros, para ONGs, para o governo ou para a Igreja." Na opinião do profissional, é necessário uma melhor educação sobre o tema para que as pessoas compreendam a realidade dos portadores de deficiência e também para que as soluções para essas pessoas não fiquem só nos livros.

 

Ganhos menores

 

Para o coordenador do programa Serasa Experian de Empregabilidade, João Ribas, são poucos os portadores de deficiência que chegam aos cargos de liderança. Ele acabou de coordenar mais uma edição do programa que, no último semestre, capacitou 100 pessoas com necessidades especiais para o mercado de trabalho. "Geralmente, o salário desses empregados não passa de R$ 1 mil", lamenta. "As empresas contratam porque têm metas a cumprir". Ele acrescenta que, por outro lado, a maior parte do portadores de deficiência não está preparada para ocupar os primeiros escalões das empresas devido à falta de qualificação.

 

Com 54 anos, Ribas nasceu com uma problema na coluna vertebral chamado mielomeningocele e, por isso, nunca andou. "Minha família é de uma camada social média. Por isso, fiz faculdade, mestrado e doutorado. Fui professor universitário e hoje faço o que mais quero, que é trabalhar com inclusão de pessoas com deficiência", declara. Porém, ele reconhece que casos semelhantes ao seu são pouco comuns. "Conheço muitas pessoas com deficiência. Conto nos dedos de uma mão aqueles que ocupam cargos de liderança e que consegue fazer uma faculdade de primeira linha", completa.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


Veja também

Dell busca novas parcerias com varejistas

Disposta a ampliar vendas no segmento de computadores para o consumidor final, a Dell está negociando novas parce...

Veja mais
Apesar de crise, Embaré vê crescimento de 10%

A mineira Embaré, que acaba de investir R$ 65 milhões numa nova unidade de produção de leite...

Veja mais
Alta do café pressiona empresas que apostavam na queda

A inesperada alta do café desencadeada pela redução dos estoques mundiais ameaça pressionar ...

Veja mais
Investimentos em terminais portuários terão corte de 20%

Avaliações preliminares da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) indi...

Veja mais
Lucro mundial da varejista cai 7,3% para US$ 3,79 bi

O Wal-Mart, maior rede mundial de varejo, registrou uma queda de 7,33% em seu lucro líquido do quarto trimestre f...

Veja mais
Wal-Mart aposta no atacado em SC

O presidente do Wal-Mart Brasil, Héctor Núñez, anunciou ontem, em Florianópolis, investiment...

Veja mais
Algodão com genes combinados amplia vantagem da Argentina

A Argentina aprovou ontem para comercialização o algodão com genes combinados resistente a inseto e...

Veja mais
Alta do café ameaça Starbucks e Kraft Foods

A alta das cotações do café, desencadeada pela queda da oferta, ameaça as empresas americana...

Veja mais
Crédito escasso conterá expansão em açúcar

A combinação de cotação internacional acima de 13 centavos de dólar por libra-peso e ...

Veja mais