Negócio de R$ 824 milhões transforma grupo de Abilio Diniz em um gigante com receita de R$ 26 bilhões por ano
Márcia De Chiara
O Grupo Pão de Açúcar bateu o martelo para a compra do Ponto Frio na madrugada de segunda-feira e se transformou na maior companhia do varejo brasileiro - superando o rival Carrefour -, com faturamento de R$ 26 bilhões, 79 mil funcionários e mais de mil lojas espalhadas por 18 Estados. Após ter até anunciado que não estava no páreo, o grupo comandado por Abilio Diniz desbancou redes apontadas como favoritas à compra da companhia, como o Magazine Luiza e a Lojas Insinuante, líder na região Nordeste. A transação inclui as 455 lojas físicas do Ponto Frio, a loja virtual, a participação na financeira Investcred e centros de distribuição.
"Foi uma negociação difícil", disse Diniz. Segundo ele, o negócio começou a ser analisado pelo Pão de Açúcar há cerca de um ano, mas os entendimentos se intensificaram nas duas últimas semanas. O sinal verde dos controladores foi dado às 6 horas da manhã de segunda-feira, quando foram colhidas as últimas assinaturas no circuito Londres/Genebra.
Nas últimas semanas, as negociações que se desenhavam praticamente levavam o Ponto Frio para as mãos do Magazine Luiza. A reviravolta se deu na semana retrasada, quando negociadores do Ponto Frio e do Pão de Açúcar se reuniram em Nova York. Durante cinco dias de conversações, eles desenharam um acordo financeiro com algumas características peculiares - principalmente no que diz respeito ao pagamento de parte do Ponto Frio com ações do Pão de Açúcar. A possibilidade de poder usar ações pode ter feito a diferença em favor do grupo de Abilio Diniz: como teria de pagar tudo em dinheiro, o Magazine Luiza dependeria de os sócios colocarem um expressivo volume de recursos.
Para concretizar o maior negócio da história do varejo brasileiro em número de lojas e faturamento, o Pão de Açúcar pagou R$ 824,5 milhões pela participação de 70,2% dos controladores no capital total da Globex - Lily Safra e seu enteado, Carlos Monteverde. Desse valor, R$ 373 milhões foram quitados à vista, com recursos provenientes do caixa da empresa. Os R$ 451 milhões restantes serão quitados por meio de troca de ações.
O pagamento em ações livrou o Pão de Açúcar de se endividar para fazer a aquisição. Trazia, porém, um inconveniente: se essas ações fossem vendidas rapidamente, fariam despencar o valor dos papéis do grupo. Para evitar isso, a solução foi determinar que as ações só podem ser vendidas em etapas: 6 meses, 12 meses e 18 meses. Se as ações subirem no período, Lily Safra terá um ganho. Se caírem, ela garante a rentabilidade no período igual ao dos juros bancários, o CDI. O contrato foi costurado pelo escritório de fusões e aquisições Estáter, de Pércio de Souza, e pelo escritório de advocacia Souza, Cescon pelo Pão de Açúcar, e Goldman Sachs e Mattos Filho, pelo Ponto Frio.
Para os acionistas minoritários, que respondem por 29,8% do capital da companhia, o Pão de Açúcar fará uma oferta pública para compra de ações por 80% do preço pago aos controladores (ver página B15). Se o negócio for acatado pela totalidade dos minoritários, o Pão de Açúcar vai desembolsar R$ 1,164 bilhão para compra do Ponto Frio, calcula o vice-presidente administrativo e financeiro do grupo, Enéas Pestana.
ALIMENTOS
A decisão do Pão de Açúcar de ampliar a sua participação em produtos não alimentícios foi tomada cinco anos atrás, disse Diniz. Ele observa que os não alimentos são indutores de vendas dos hipermercados. Além disso, com a volta do crédito e o deslanche da construção civil, o mercado de móveis e eletrodomésticos tem perspectivas favoráveis.
"Não vamos deixar de vender o feijãozinho e a batata. Continuaremos sendo merceeiros", ressaltou. Mas ele ponderou que o crescimento na casa de dois dígitos registrado pelas lojas do Extra Eletro no primeiro trimestre chamou a atenção. A companhia estima que esse segmento de eletroeletrônicos gire R$ 68 bilhões, cifra que pode chegar a R$ 134 bilhões até 2013. Desse total, a nova rede de eletroeletrônicos vai deter cerca de 10%, com faturamento de R$ 7 bilhões, atrás apenas das Casas Bahia, com R$ 14 bilhões.
Segundo Claudio Galeazzi, presidente executivo do grupo, a participação das vendas de alimentos no Pão de Açúcar deve cair de 76% para 62%. Ele afirmou que há uma grande sinergia entre as duas empresas - sinergia que, trazida a valores presentes, equivale a R$ 500 milhões. O número inclui ganhos de escala, parceria com fornecedores e união de serviços financeiros, entre outros. Segundo Galeazzi, a sobreposição de lojas é muito pequena e a perspectiva de redução de quadro de pessoal também.
Minoritários querem mais pelo Ponto Frio
Pequenos acionistas exigem receber o mesmo valor que foi pago aos controladores
Marili Ribeiro
Os acionistas minoritários da Globex Utilidades, dona da rede varejista Ponto Frio, estão dispostos a brigar pelo recebimento do mesmo valor pago pelas ações dos controladores. A proposta do grupo Pão de Açúcar é pagar 80% do preço de compra. Assim, os controladores vão receber R$ 9,48 por ação e os minoritários, R$ 7,58.
"É uma economia de mais ou menos R$ 71 milhões em cima dos pequenos acionistas, que somam menos de 30% do negócio", diz André Gordon, sócio da GT Invest, uma gestora de recursos que tem em carteira, em um de seus fundos, cerca de 89 mil ações da Globex.
O argumento de Gordon, que já entrou com uma reclamação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM ) e também com um pedido de avaliação das condições da operação na Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), é que proposta do Pão de Açúcar viola as garantias previstas no artigo 42 do estatuto da Globex.
"No artigo está escrito que, em caso de eventual venda, os minoritários terão acesso às mesmas condições dos controladores", explica. "Quando investimos nas ações da Globex, sabíamos que existia uma chance de a empresa ser vendida, e levamos em conta o que dizia o estatuto. E, ao que parece, a empresa compradora não leu o estatuto", acrescenta.
Na opinião de um analista de banco, que prefere não ser identificado, o ponto que deve ter fundamentado a decisão de pagar 80% do valor da ação para os minoritários pelos executivos do Pão de Açúcar se apoia no fato de a empresa ainda não ter migrado para o Novo Mercado, onde vale a regra de pagar 100% do valor mesmo aos que não sejam controladores. Gordon discorda desse argumento e acha que o estatuto tem de ser seguido.
RISCO EM ALTA
O anúncio da compra fez com que as ações do Ponto Frio despencassem quase 18% ontem na Bovespa.
Além disso, alguns analistas mudaram suas recomendações de compra para venda das ações do Pão de Açúcar. Sugeriram cautela aos seus clientes por acreditar que a mudança de foco no negócio do Pão de Açúcar, para gerir o Ponto Frio, pode resultar em perda dos benefícios alcançados com a recente reestruturação do grupo. "Vender eletrodomésticos é bem mais arriscado do que vender alimentos", diz um deles.
Casas Bahia reagem e anunciam aquisição de rede no Nordeste
Com 17 lojas na Região Metropolitana de Salvador, Romelsa é a terceira maior rede varejista da Bahia
Andrea Vialli e Márcia de Chiara
As Casas Bahia, maior rede de móveis e eletrodomésticos do País, já reagiram à investida agressiva do Pão de Açúcar no seu mercado. Ontem, a empresa anunciou a compra da rede Romelsa, com 17 lojas espalhadas pela Região Metropolitana de Salvador (BA), onde as Casas Bahia acabam de fincar bandeira, com quatro lojas em funcionamento. Com faturamento de R$ 70 milhões, a Romelsa é a terceira maior rede da Bahia.
"Como temos sobreposição de lojas com o Ponto Frio, não entramos no negócio para comprar a rede e, por isso, caminhamos para o Nordeste", afirmou o diretor administrativo e financeiro, Michael Klein. Ele disse que, por enquanto, desembolsou apenas R$ 3 milhões pela rede a título de sinal. O valor final do negócio será fechado posteriormente, quando tiver conhecimento exato da empresa.
A decisão das Casas Bahia de comprar uma rede na Bahia apressa os planos da companhia de ter 30 lojas no Estado no prazo de um ano. Com as unidades em operação, Klein disse que está muito satisfeito com os resultados. "O Sul e o Sudeste estão estagnados. No Nordeste é que estão as maiores chances de crescimento. Todos os clientes que temos lá são novos e temos sido muito bem aceitos pelos consumidores."
Das 40 lojas programadas pela rede para este ano, 30 serão no Nordeste. E as aquisições não devem parar por aí. Segundo Klein, já estão sendo costuradas outras negociações com redes da Bahia. A meta é ter 45 lojas espalhadas pelo Estado todo.
Para as Lojas Cem, outra rede do setor de eletromóveis, a compra do Ponto Frio pelo Pão de Açúcar não muda o dia a dia da empresa, no curto prazo. "Tudo vai depender da estratégia do concorrente", afirmou o diretor de relações com o mercado, Valdemir Colleone.
A compra do Ponto Frio pelo Pão de Açúcar foi vista como positiva pela indústria de eletrodomésticos e eletrônicos.
Lourival Kiçula, presidente da Eletros, entidade que reúne os fabricantes de eletroeletrônicos, disse que a união dos grupos traz maior concentração do mercado, mas, segundo ele, isso não deve significar perdas nas negociações de preços. "Conceitualmente, quanto menos concorrentes no mercado, mais difíceis se tornam as negociações. Mas, nesse caso, a indústria está tranquila porque não se trata de aventureiro. Todos conhecem o Abilio Diniz."
Armando Enes do Valle Júnior, diretor de relações institucionais da Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul, vê uma estratégia clara do Pão de Açúcar de se fortalecer no ramo não alimentício. "Para nós deve se traduzir em maiores volumes de encomendas de eletrodomésticos", afirmou.
Para Patricio Mendizabal, presidente da Mabe, dona das marcas de eletrodomésticos GE e Dako, nada vai mudar no relacionamento com a indústria. "O Grupo Pão de Açúcar já é um cliente de longa data."
Venda foi planejada há dez anos
Lily Safra se desfaz de ativos
Alberto Komatsu
Ao vender o Ponto Frio para o Pão de Açúcar, Lily Safra, maior acionista individual da rede, conclui um projeto delineado há 10 anos por ela e o enteado Carlos Monteverde, que também tem importante participação na holding Globex. Lily atualmente vive em Londres, e já tinha uma fortuna pessoal estimada em R$ 1,6 bilhão pelo jornal Sunday Times, que lista anualmente os 100 moradores mais ricos do Reino Unido. Este ano, ela ocupava a 87ª posição nesse ranking.
Com a venda, a "completamente brasileira" Lily, como gosta de frisar, deu mais um passo no objetivo de preparar a sucessão dos filhos Adriana e Eduardo, nascidos de seu casamento com o empresário argentino Mario Cohen. O terceiro filho, Claudio, morreu em um acidente em 1989.
Lily já havia se desfeito de outro valioso ativo em agosto, quando protagonizou a maior transação imobiliária do mercado de alto luxo, ao vender sua casa na Cote D?Azur, na Fr ança, por 500 milhões (R$ 1,2 bilhão) para um bilionário russo. "Ela é uma pessoa exigente, criteriosa, pragmática e gosta das coisas bem feitas", conta um empresário próximo a ela quando era casada com Edmond Safra, um dos fundadores do Banco Safra. O banqueiro morreu em 1999, durante incêndio no apartamento em que vivia com Lily, em Mônaco.
Lily, hoje com 76 anos, é filha de imigrantes judeus russos e nasceu no Rio Grande do Sul. Apesar de modestos, os pais não economizaram em sua educação. Desde cedo, aprendeu a falar inglês e francês. Gostava de se vestir com elegância e frequentar festas. Foi numa delas que conheceu o primeiro marido, Cohen, com quem se casou aos 19 anos. Foi também numa festa que conheceu Alfredo Monteverde, dono da rede Ponto Frio, que já tinha um filho de outro casamento, Carlos.
Lily deixou Cohen para se casar com Monteverde. Em 1969, ele foi encontrado morto em casa, com um tiro no tórax. Investigações p oliciais concluíram se tratar de suicídio.
Veículo: O Estado de S. Paulo