Indústria retoma produção até de mamadeiras de vidro, aproveitando debate sobre supostos problemas no uso do plástico
Em setembro, retornam ao mercado as mamadeiras de vidro fabricadas no Brasil. Elas tinham desaparecido das gôndolas. Os modelos encontrados eram importados, já que a versão em plástico era a preferida do consumidor. A indústria líder do setor de embalagens de vidro no País, Owens-Illinois, associou-se a um laboratório para a investida. É uma primeira ação para aproveitar a crescente onda internacional que discute o uso de embalagens de plástico por causa da presença do elemento Bisphenol-A. Há uma discussão entre especialistas se essa substância pode provocar danos à saúde.
As mamadeiras de plásticos e derivados já foram proibidas no Canadá por causa dessa discussão, que vem crescendo e esquentando há dois anos tanto na América do Norte quanto na Europa. Aliás, não só elas. Outras embalagens da indústria do plástico estão na berlinda por serem usadas para alimentos e bebidas. Nos EUA, 20 dos 50 Estados americanos discutem o tema. Dois deles, Illinois e Minnesota, já aboliram.
Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas do Vidro (Abividro), reuniu, somente nos últimos dois meses, mais de 40 artigos publicados nos principais veículos estrangeiros sobre o assunto. "É uma briga de proporções semelhantes à que acabou provando os danos do amianto", diz ele. "Não duvido nada que, se continuar nesse caminho, vá se descobrir que o atacante Ronaldo não consegue emagrecer porque mamou muito em mamadeiras de plástico." Entre os estragos do Bisphenol-A estaria a obesidade.
No Brasil, o assunto ainda está fora dos holofotes. Mas está presente nos bastidores da indústria petroquímica. Aliás, dizem os defensores do vidro e de outros materiais como cartonados e alumínio, a poderosa indústria ligada à cadeia de produção de plástico não tem interesse no debate sobre o assunto. Mais de 50% das embalagens de produtos nas indústrias de alimentos, bebidas, cosméticos e farmacêutica é feita com derivados de plásticos. O custo menor é o principal apelo para a indústria.
"É uma discussão recorrente há dois anos, mas não se tem nenhum estudo científico conclusivo", diz Francisco de Assis Esmeraldo, presidente da Instituto Socioambiental dos Plásticos (Plastivida), uma entidade mantida pelas empresas do setor de plásticos. "O Bisphenol-A é utilizado basicamente na linha de policarbonatos, que atende a produção de mamadeiras. É um material que está na lista positiva da Anvisa (Resolução 105, que normatiza o que pode entrar em contato com os alimentos)", defende Esmeraldo.
Com ou sem adesão à discussão, há também uma discussão sobre as preferência do consumidor. Os fabricantes dizem que têm pesquisas demonstrando a preferência pelas embalagens de vidro. Mas essa suposta preferência não corresponde à presença nas prateleiras dos supermercados. O maior entrave é o custo. O vidro é pesado e tem risco de quebra. Logo, pede gastos maiores com logística e transporte.
"Para embalar vegetais, o vidro fica 30% mais caro do que as latas de flandres, principalmente porque existe o custo de rotulação e tampa, que a lata dispensa", conta Odilon de Oliveira, diretor de marketing da Conservas Olé, empresa familiar com 40 anos de mercado, que há dois anos inovou no segmento ao adotar o vidro na linha de ervilhas e milho. Com a estratégia de diferenciação, ele dobrou sua participação de mercado e obrigou três concorrentes a seguir a iniciativa. "Temos outros projetos encaminhados, só depende de viabilizá-los economicamente para chegar com preço competitivo no ponto de venda."
Pesquisa com 3 mil consumidores de nove países, entre eles o Brasil, encomendada pela multinacional Owens-Illinois, mostra a preferência do consumidor por vidro. Segundo a Owens-Illinois, 91% dos consumidores preferem alimentos em embalagens de vidro. Mesmo assim, apenas 10% dos alimentos hoje são embalados em vidro no mercado nacional.
A percepção de qualidade está muito associada à transparência que exibe o produto. Isso faz com que a indústria o utilize em categorias premium e acaba cobrando mais por isso. "Em dois anos, cresceu 30% a procura de vidro por fabricantes de produtos orgânicos", conta Rildo Lima, diretor de vendas e marketing da Owens-Illinois. Essa boa imagem ajuda o crescimento do setor que, no ano passado, atingiu 1,1 milhão de toneladas, 10% em relação a 2007.
A Owens-Illinois investiu em um sofisticado programa de engenharia, semelhante ao da indústria automobilística, e montou um laboratório de design para desenvolver moldes exclusivos. Em menos de cinco anos, fez 250 projetos. Tenta também eliminar entraves às embalagens de vidro, como manter a resistência e reduzir o peso. Passou a fabricar para a Coca-Cola garrafas de 290 ml retornáveis com 28% menos vidro e, portanto, mais leves.
Veículo: O Estado de S.Paulo