Sobretaxa para tênis chinês divide indústria

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A Câmara de Comércio Exterior (Camex) decide, na próxima semana, se o Brasil aplicará sobretaxa sobre calçados importados da China. A medida foi solicitada em outubro do ano passado pela Associação da Indústria Brasileira de Calçados (Abicalçados), que alega que os chineses estão praticando dumping na exportação desses produtos ao Brasil. Fabricantes nacionais e estrangeiros de calçados esportivos estão contestando o pedido e afirmando que, se ele for aprovado, inviabilizará a importação dos chamados tênis de alta performance ou alta tecnologia.

 

A Abicalçados solicitou, em outubro do ano passado, a aplicação de uma sobretaxa inicial de US$ 25,99 (cerca de R$ 48) sobre o calçado importado da China. No caso dos modelos esportivos, a alíquota do imposto de importação já é a mais elevada dentre as tarifas cobradas pelo país - 35%. Segundo apurou o Valor, a deliberação da Camex, em caráter provisório, será feita no dia 26. A tendência é que o pedido seja aprovado.

 

A Associação Brasileira de Mercado Esportivo (Abramesp), entidade que reúne os fabricantes de tênis e materiais esportivos de marcas como Nike, Adidas, Puma e Asics, alega que o objetivo da Abicalçados é inviabilizar a importação dos tênis de alta tecnologia. Segundo a entidade, seus associados fabricam, no Brasil, 60% dos tênis daquelas marcas. A medida antidumping atingiria, portanto, os 40% importados, o equivalente a cerca de cinco milhões de pares.

 

A Abramesp não contesta toda a iniciativa antidumping, mas defende que, a exemplo do que ocorreu na Argentina, haja uma segmentação da decisão, excluindo os tênis de alta performance, não fabricados no Brasil, da medida. "O Brasil ainda não tem escala nem tecnologia para produzir calçados esportivos de alta performance", ponderou o vice-presidente da Abramesp, Cristian Corsi.

 

Em cartas enviadas ao Departamento de Defesa Comercial (Decom), vinculado à Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, fabricantes nacionais contestaram a ação da Abicalçados. Em sua missiva, a Cambuci, empresa que detém as marcas Penalty e Stadium, afirma que, mesmo sendo integrante da diretoria da Abicalçados, é contrária à investigação de dumping, que considera "excessivamente abrangente, mal estruturada e (que) somente beneficiará poucos produtores".

 

Em carta também enviada ao Decom, o escritório de advocacia Velloso, Pugliese e Guidoni questiona, em nome da Alpargatas, fabricante das marcas nacionais Rainha e Topper e da estrangeira Mizuno, a "inédita abrangência" do sigilo das informações que constam do caso antidumping iniciado pela Abicalçados. As empresas alegam que não foram consultadas pela entidade sobre o processo e colocam em dúvida os critérios utilizados por ela para fundamentar o pedido feito ao governo.

 

"O sigilo é usado indevidamente como ferramenta para impedir ou dificultar a contestação dos dados apresentados, cuja fragilidade certamente se revelará juntamente com as fontes", diz o documento da Alpargatas, que, assim como a Cambuci e a Paquetá, outro fabricante nacional de calçados, contesta a representatividade da amostra utilizada pela Abicalçados para fundamentar a ação antidumping.

 

A pedido da Abicalçados, o Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) teria entrevistado 249 empresas segundo critério de porte, localização regional e produção do objeto investigado. Esse grupo deteria 67% da produção nacional de calçados. O problema, segundo os opositores da medida antidumping, é que a identidade dos fabricantes não foi revelada. "A Alpargatas repudia veementemente o argumento de que a lista das empresas entrevistadas pelo IEMI é de natureza sigilosa e sensível", diz a carta.

 

Outro questionamento feito pelas empresas é que, para estimar a prática de dumping, a Abicalçados teria se baseado em preços de calçados vendidos no mercado italiano, obtidos a partir de notas fiscais de quatro fabricantes daquele país. Os preços seriam superiores aos de produtos exportados pela China. Também alegando sigilo, a entidade não forneceu os nomes dos fabricantes italianos. Segundo o representante da Abramesp, além disso, a Itália não poderia ser escolhida como parâmetro porque não produz tênis.

 

Em entrevista ao Valor, o presidente da Abicalçados, Milton Cardoso, que preside também a Vulcabrás, maior fabricante brasileira de calçados, há "exagero" nas manifestações das empresas que se opõem ao antidumping. Segundo ele, elas contrataram os "melhores escritórios" de advocacia do país para "entupir" o processo com alegações "falsas e sem juntar nenhuma prova". "Por causa disso, o processo tem 35 mil páginas." Cardoso alega que as multinacionais da Abramesp cortaram produção nacional e a substituíram por produtos importados.

 

"O Brasil tem o 5º maior mercado consumidor de sapatos do mundo e a 3ª maior indústria. O país não consegue fazer sapato com 200 anos de experiência e uma cadeia produtiva absolutamente completa, enquanto a China tem 50 anos?", indagou Cardoso. O antidumping, diz, é para a defesa da indústria brasileira, que vem sofrendo danos com a importação chinesa.

 

O executivo disse que, por causa da crise, os grandes fabricantes mundiais acumularam estoques e decidiram desová-los, a preços de liquidação, em países que se abastecem primordialmente da indústria local, como o Brasil. Para comprovar sua afirmação, ele mencionou o último balanço trimestral da Adidas, que afirma que as remessas de tênis para o Brasil e a Argentina foram aceleradas nos últimos meses "devido à ameaça de tarifas de importação mais elevadas". Segundo Cardoso, isso contraria a lei brasileira que determina que, uma vez aberto um processo antidumping, as importações não podem ser elevadas de forma artificial
 


Veículo: Valor Econômico


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