Estabelecimentos recebem desconto de 65% dos fabricantes, mas não repassam todo o benefício para o consumidor
Objetivo da política de genéricos era baratear medicamentos, mas hoje chegam a custar mais que os seus equivalentes de marca
Um dos principais motores da multiplicação de farmácias no Brasil nos últimos anos é o forte crescimento de suas margens de lucro na venda de medicamentos genéricos.
Levantamento feito pela Folha comprova que elas compram esses remédios dos laboratórios com um desconto médio de 65% sobre o preço máximo estabelecido pelo governo para os fabricantes.
Esse desconto não chega integralmente ao consumidor. No ponto de venda, varia de 10% a 20% sobre o preço máximo estabelecido pelo governo para as farmácias, em média.
O preço dos medicamentos no Brasil, genéricos e de marca, é definido pela Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). Pela tabela do órgão, a diferença entre o preço máximo estabelecido para o fabricante e o preço máximo ao consumidor é de 30%.
Portanto, um medicamento que custa no máximo R$ 10 na fábrica deve ser vendido a R$ 13 para o consumidor. Mas a farmácia compra o produto por R$ 3,50 (65% de desconto). Se ela concede desconto de 20% sobre o preço máximo ao consumidor, o medicamento sai por R$ 10,40 -uma diferença de 200% em relação ao preço de custo do produto. Embora não seja ilegal, a prática é questionada por fabricantes.
A lei também diz que os genéricos devem custar 35% menos que os medicamentos de referência. Mas há casos em que a concorrência é tão grande que remédios de marca chegam a custar menos que os genéricos. É o que acontece com o redutor de apetite Sibutramina, cuja marca de referência é o Reductil (da Abbott). Algumas marcas similares do redutor, como Biomag (laboratório Biosintética) e Sibus (Eurofarma), custam menos que genéricos.
O presidente da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, reconhece que os laboratórios dão descontos, mas diz que eles chegam a 70% "apenas em casos isolados". Barreto afirma ainda que o preço médio cobrado pelas farmácias representa desconto de 10% sobre o máximo estabelecido pelo governo.
Os genéricos foram criados em 1999 com um caráter social, para promover o acesso aos medicamentos. Ao introduzir controles rígidos de fabricação, a política foi também responsável pelo fortalecimento dos laboratórios nacionais.
Hoje eles são alvo de cobiça por parte de grandes multinacionais, como a Sanofi-Aventis, que no ano passado adquiriu o Medley por R$ 1,5 bilhão.
O mercado de genéricos movimenta R$ 3,4 bilhões ao ano. Mas a participação do setor no mercado de medicamentos ainda é pequena. De acordo com a Pró-Genéricos, 19,6% dos medicamentos vendidos no país, em volume, são genéricos. Nos EUA, essa participação passa de 60%.
Para as grandes redes nacionais de farmácias, o genérico representa 14% do faturamento. As vendas no segmento crescem a taxas de 20% ao ano.
Os descontos dos laboratórios são um reflexo da concorrência no setor. "Nenhum fabricante vende genérico com menos de 50% de desconto e, em alguns casos, pode chegar a 85%", diz o presidente de um grande laboratório que não quis se identificar.
Real valorizado
Os laboratórios conseguem conceder grandes descontos por conta da estrutura de custos: o real valorizado barateou os insumos importados; e os genéricos dispensam gastos com publicidade e marketing com a comunidade médica.
Os descontos são a forma de incentivar a farmácia a oferecer o genérico ao consumidor, uma vez que, por lei, o farmacêutico tem autorização para oferecer um genérico em substituição à marca prescrita pelo médico. Muitos no setor acreditam que, sem o incentivo, as farmácias deixariam de oferecer o produto aos seus clientes.
Alguns fabricantes acreditam que o fim do tabelamento levaria a uma redução de preços. Odnir Finotti, presidente da Pró-Genéricos, que representa os fabricantes, defende que seja feito um teste com a liberação temporária do preço dos medicamentos mais concorridos.
"Deixa o preço livre para ver onde vão parar", afirma Finotti. "Se existe um preço máximo, sempre vai ter alguém que vai pagar por ele."
O controle de preços no Brasil foi introduzido em 2003. O secretário-executivo da Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), Luiz Milton Velozo Costa, afirma que "não está na pauta do governo abolir ou reduzir o teto".
Estudo da Fipe/USP encomendado pelo Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) comprova que os descontos praticados pelo varejo não passam de 20%. "Verificamos que, em geral, existe uma certa regularidade nos descontos oferecidos nos pontos de venda", afirma o presidente do Etco, André Montoro Filho. "Na média, eles são inferiores a 20% sobre o preço da tabela. Acima disso, só casos isolados."
Veículo: Folha de S.Paulo