Em meio a contenda com o Casino, empresário enfrenta processo de arbitragem com ex-dona do Ponto Frio
Abilio Diniz, sócio do Grupo Pão de Açúcar, costuma dizer que se há um caminho a ser seguido na vida é o da busca pela felicidade. As ferramentas para isso são fruto de sua experiência pessoal e estão divididas em seis pilares—alimentação equilibrada, exercícios físicos, amor, fé, autoconhecimento e uma vida sem tensão. O problema é que tensão é que não falta em sua vida ultimamente.
Às vésperas de entregar o comando da maior rede de varejo do país para o sócio francês Casino, no dia 22 deste mês, Diniz passa por uma espécie de inferno astral, onde vários fatores colidiram para tirar seu equilíbrio. Em 2010, a família Klein, dona da Casas Bahia, contestou o contrato feito para a associação da rede de eletroeletrônicos com o Ponto Frio, então recém adquirido pelo Pão de Açúcar.
Diniz mal havia se recuperado dessa pendência e acabou se desentendendo com Jean Naouri, dono do Casino, que o acusa de ter arquitetado a compra da rede Carrefour no Brasil, sem o seu consentimento. Pois agora é Lily Safra, ex-proprietária do Ponto Frio, quem decidiu contestar o contrato feito com o Pão de Açúcar.
O momento não poderia ser pior. Diniz já enfrenta dois processos na Câmara Internacional do Comércio, pedidos por Jean Naouri (ver reportagem ao lado). E agora terá de dar conta das reclamações de Lily Safra, que vendeu ao Pão de Açúcar 86.962.965 ações ordinárias da Globex (Ponto Frio), que equivalem a 70% da companhia de eletroeletrônicos, em 8 de junho de 2009.
O Grupo Pão de Açúcar foi notificado pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) na quinta- feira passada sobre pedido de instauração de arbitragem pela Morzan Empreendimentos, empresa que representa Lily Safra. O processo corre em sigilo de justiça e a rede varejista informou apenas que o pedido é improcedente “O Grupo Pão de Açúcar esclarece que as cláusulas do acordo entre as empresas foram cumpridas e que não há qualquer questão pendente ou ainda a ser discutida entre as partes”, afirmou a companhia em comunicado à imprensa.
No entanto, segundo apurou o BRASIL ECONÔMICO, Lily Safra contesta exatamente o pagamento feito. Do valor total da operação de R$ 824,5 milhões, 45,3% foi pago à vista. O restante foi negociado: a empresária poderia optar em receber em quatro anos, corrigido, ou em ações do Pão de Açúcar, com prêmio de 10%. A opção foi pelos papeis da empresa, que estavam sendo negociados a cerca de R$ 36 cada um.Ovalor fechado foi de R$ 40, segundo explicou um executivo que acompanha as negociações. “Foram emitidas ações específicas com este valor”, disse ele. A questão é que os papeis da companhia mais que dobraram neste período, atingindo um valor de R$ 77 cada um. E Lily Safra quer a diferença de volta.
Da quase falência à liderança do setor
Em 2005, Casino comprou um supermercado e receberá um conglomerado em 2012
O Grupo Pão de Açúcar fechou o ano de 2011 como uma empresa com receita líquida de R$ 46,5 bilhões, 1,8 mil lojas (entre supermercados, drogarias, postos de gasolina e varejo de eletroeletrônicos) e 149 mil funcionários. Um cenário muito distante daquele de 1999, quando o grupo Casino tornou-se sócio minoritário da rede, com 25% das ações. O Pão de Açúcar operava na época 349 lojas, com 12,9 mil funcionários em 11 estados brasileiros. “Quem imaginaria que aquele Pão de Açúcar, enfrentado tantas dificuldades, poderia ser tornar o gigante que é hoje”, disse um executivo que trabalhou na empresa no período. Se o dinheiro do Casino foi importante para o crescimento da rede, a competência de Abilio Diniz foi fundamental - afinal o Casino estava interessado apenas em ter uma participação na empresa e nunca interferiu na gestão. “Enfrentávamos uma crise de liquidez e, por se tratar de uma empresa descentralizada, tínhamos certeza de que se fôssemos para concordata, a falência seria inevitável”, afirmou Diniz em seu blog, em meio a conversas com leitores sobre o período de crise na empresa.
Com dívidas em dólar, e em um cenário econômico marcado pela desvalorização do real frente à moeda americana, oferecer ao novo sócio o potencial de adquirir, no prazo de cinco anos, o controle da companhia, parecia sensato. “Tudo foi perfeito. O problema é que Diniz se arrependeu do acordo e tentou revertê-lo, sem sucesso”, afirmou a fonte. No comércio brasileiro não há, porém, quem arrisque um palpite: como será o Pão de Açúcar sem seu comandante.
Um histórico de rixas com diversos sócios
Em 30 anos, empresário acumulou briga com irmãos e ex-parceiros
A história do grupo Pão de Açúcar é marcada por uma série de rixas com seus sócios. Amais antiga delas envolve Abilio Diniz e seus irmãos. No final da década de 1980, o fundador do Pão de Açúcar, Valentim dos Santos Diniz, dividiu as ações do grupo entre os filhos. Na ocasião, Abilio, o primogênito, ficou com 16%. Arnaldo e Alcides ficaram com 8% cada e as irmãs, três no total, levaram 2% cada.
Sentindo-se injustiçados, os irmãos voltaram-se contra Abilio, mas a tentativa de tirá-lo do comando da empresa naufragou. A briga teve novo capítulo quando Valentim deixou, após sua morte, 51% do capital da empresa para Abilio. A confusão só foi resolvida em 1993, quando cada um dos irmãos recebeu alguns milhões em troca de Abilio assumir a presidência e ficar com 51% das ações.
Outro desentedimento que marcou a história do grupo diz respeito à compra de 42,5% da rede de supermercados Sendas. No acordo estava previsto que o Pão de Açúcar terminaria de comprar o restante da empresa até 2013. Uma cláusula determinava que, se o Pão de Açúcar mudasse de dono durante no período, os proprietários do Sendas poderiam pedir o adiantamento do pagamento. Em 2005, o grupo francês Casino virou dono de 50% do Pão de Açúcar, compartilhando o controle da companhia com Abilio. Mesmo assim, Abilio não quis fazer o pagamento aos Sendas. O episódio rendeu uma disputa na Câmara de Arbitragem do Rio de Janeiro, encerrada em2011. A família Sendas recebeu R$ 377 milhões, bem menos do que o exigido pelos vendedores.
O empresário também teve problemas na fusão entre sua rede Ponto Frio e Casas Bahia, da família Klein. Os novos sócios quase desfizeram o negócio por não concordarem com diversos pontos do contrato. A mais recente desavença foi com o sócio Casino. Os franceses não gostaram da tentativa de Abilio de unir, às escondidas, o Pão de Açúcar ao seu rival global Carrefour.
O dia tão esperado pelo francês
Na assembleia do próximo dia 22, o grupo Casino assume o controle do Pão de Açúcar
No dia 22 deste mês o grupo francês Casino Guichard-Perrachon assume o controle do grupo Pão de Açúcar, situação definida em um acordo assinado em 2005. Na ocasião, Abilio Diniz terá a opção de vender ao sócio um determinado lote de ações. Se ele não quiser efetuar esta venda, o Casino pode comprar uma ação com direito a voto, pelo valor simbólico de R$ 1, e tomar o controle da empresa.
No início de junho, Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, indicou três executivos do mercado para serem eleitos, durante a assembleia do dia 22, para o conselho de administração do Pão de Açúcar.
Até o momento, Naouri e Diniz têm a mesma quantidade de representantes: cinco cada um. Com a chegada dos indicados de Naouri, Diniz precisará indicar dois membros para deixar o conselho. O francês ganha ainda o reforço de mais um conselheiro extra. No final das contas, Naouri terá oito membros contra três de Diniz.
Todos estes pontos foram definidos no acordo de 2005. O que motivou o desentendimento público entre os sócios foi a tentativa de Diniz de montar uma fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour. Naouri afirma que o empresário brasileiro tentou articular o negócio sem seu conhecimento. No contrato assinado pelos sócios, está previsto que qualquer negociação acima de US$ 100 milhões deve passar pelo conselho de administração da empresa.
Veículo: Brasil Econômico