Mercadona

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"O supermercado é diferente. Não faz propaganda, é bem organizado e parece estar lançando uma loja a cada dia". É assim que o professor de espanhol Enrique Martin define a Mercadona, gigante rede de supermercados espanhola. Cliente de uma loja perto de sua casa em Madri, ele costuma fazer compras no caminho de volta do trabalho. "Há dez anos não se via a marca. Agora, tenho a impressão de que tem Mercadona em todo lugar", diz. Mas, a verdade é que a expansão da empresa que tem saltado aos olhos de qualquer pessoa que vive na Espanha não é somente uma impressão.

Com um modelo baseado em supermercados de bairro, baixos preços, marcas próprias e lojas desenhadas para fazer com que as compras sejam uma atividade fácil e rápida, o Mercadona se tornou líder do mercado espanhol em faturamento em 2011, e nesta posição permanece.As vendas da rede cresceram mais de 20% nos últimos cinco anos, atingindo € 19 bilhões em 2012. A crise fez com que o lucro líquido caísse em 2008 e em 2009, mas em 2010 os resultados já se recuperaram.

No ano passado, a empresa lucrou € 507 milhões, alta de 7%, mostrando um movimento contrário ao de grandes concorrentes como El Corte Inglés e Carrefour. Na Espanha, as vendas do Carrefour caíram 6,4% no ano passado, para € 9 bilhões. O faturamento do El Corte Inglés encolheu 7,8%, no mesmo período, para € 14,5 bilhões, e o lucro caiu 18,3%, somando € 171,5 milhões.

Mercadona tem se destacado no mercado de trabalho espanhol: entre 2008 a 2012 contratou cerca de 14 mil funcionários fixos e espera encerrar este ano com mais mil novos postos preenchidos. Isso fará com que seu quadro chegue a 75 mil pessoas até o fim do ano. Em um dos países mais abalados pela crise, cujo taxa de desemprego é superior a 26%, o desempenho da Mercadona chama a atenção.

As vendas do setor varejista espanhol vinham caindo há 38 meses consecutivos até setembro, quando deram um respiro, e depois voltaram a cair em outubro. Em meio às reduções nos salários da população, às baixas recordes nos níveis de consumo e da confiança, e ao aumento dos impostos, a rede espanhola de supermercados abriu 200 novas lojas entre 2008 e 2012. Para este ano estão projetadas mais 60.Os 1.467 supermercados que a Mercadona tem hoje em toda a Espanha nasceram de oito açougues em Valência, a terra da paella, na costa leste espanhola.

Em 1981, Juan Roig, o atual presidente da companhia, associou-se a três de seus cinco irmãos e comprou as lojas de seus pais. Depois de alguns anos, Roig decidiu comprar também quase toda a participação de seus irmãos. O executivo é hoje considerado o segundo homem mais rico da Espanha, com uma fortuna de € 5,8 bilhões, atrás apenas do fundador da Inditex, dona da Zara, segundo a revista "Forbes".

Ao longo dos anos, Roig, chamado de "chefe" pelos funcionários, foi construindo uma cultura de foco nos clientes. Já em 1993, implantou a estratégia comercial de "sempre preços baixos", na qual a rede não oferece descontos pontuais, e sim, busca oferecer preços melhores que a concorrência o ano todo - estratégia similar a que o Walmart vem tentando implantar no Brasil, lançando mão do slogan "preço baixo todo dia".

Quando a crise estourou, em 2008, o executivo decidiu reforçar o "modelo Walmart", revisando processos de fabricação dos fornecedores, para cortar custos. A ideia era gerar uma onda de baixa nos preços nas prateleiras.Com modificações nos processos produtivos - como a eliminação das descrições dos cosméticos em papel, passando a imprimi-las na própria embalagem e a eliminação da embalagem de plástico das bolsinhas individuais de chá - Mercadona conseguiu economizar mais de € 5 bilhões desde 2009.

A varejista não investe em publicidade. "Nossa ideia é sempre transferir a queda nos custos dos processos e nos preços das matérias-primas aos preços dos produtos, além de diminuir o foco nos lucros, ou seja, ganhar menos para baixar os preços", afirmou um representante da diretoria da empresa, ao Valor.O modelo implica em reduzir as próprias margens e, mais ainda, a dos fornecedores. No ano passado, a empresa conseguiu baixar o preço de mais de 1.000 produtos - o seu lucro líquido representou 2,9% das vendas.

Dos 2.000 fornecedores comerciais do Mercadona, cerca de 100 oferecem os produtos de marca própria da rede. E esse é outra importante (e polêmica) aposta feita pela empresa nos últimos anos.Os hábitos de consumo mudaram com a crise: o espanhol passou a comprar somente o necessário, reduzindo o estoque de alimentos em casa, passou a buscar supermercados mais próximos, valorizando mais a relação qualidade/preço.

Vendo esse movimento, a companhia decidiu eliminar de suas prateleiras mil produtos de marcas líderes (e mais caras) do mercado. "Isso provocou um enfrentamento com os fabricantes. Além disso, o consumidor não gostou tanto, pois a iniciativa tirou sua liberdade de escolha do produto", conta Jaume Llopis, professor de estratégia da escola espanhola de negócios IESE.Logo depois de anunciar a medida, Mercadona voltou atrás e colocou 100 marcas líderes nas gôdolas. Hoje, os produtos de marca própria do Mercadona representam 40% do seu faturamento.

"Isso é um problema para o varejo espanhol, porque a dominância da marca própria limita a inovação e a criação de emprego", explica Llopis. Com esse movimento, as fabricantes alegam que têm perdido a capacidade de amortizar seus investimentos em produtos inovadores com sua presença nos supermercados. De todos os produtos de consumo vendidos na Espanha, hoje 45% são de marca própria, sendo que antes da crise essa proporção não passava de 38%.

Mercadona, por sua vez, alega que tem gerado emprego. Roig acabou de assinar um compromisso com o sindicato do setor de criar um mínimo de 1.000 empregos por ano nos próximos cinco anos. A companhia é conhecida pelo alto nível de retenção de funcionários, por distribuir bônus, e oferecer a possibilidade de flexibilidade de horário.

Os planos da empresa agora são entrar nas poucas regiões em que ainda não está, como o país Basco, e voltar a oferecer os produtos frescos - as carnes e os pescados, tão valorizados na mesa e na própria cultura do espanhol - cortados na hora. Há anos, o Mercadona decidiu colocar esses produtos em pacotes, em quantidades padronizadas. A decisão diminuiu as filas, mas fez com que a qualidade caísse, já que tudo vinha empacotado desde o fornecedor. "Escolhemos o caminho mais fácil", disse Roig, em tom de autocrítica, em discurso em um evento do setor no mês passado.

"O modelo do Mercadona é copiado do Walmart, mas a rede espanhola faz melhor do que a americana no que diz respeito ao relacionamento com os fornecedores de marca própria e no envolvimento de seus funcionários no negócio. O problema agora é saber como o Mercadona vai fazer para continuar crescendo", diz o professor do IESE.



Veículo: Valor Econômico


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