Conscientização e mudança cultural são pontos-chave para transformar perdas em ganhos
O tema da primeira edição do Workshop SuperHiper, Perdas e Ganhos, também serve como síntese dos debates que tiveram como alvo o desperdício e as perdas ao longo da cadeia de abastecimento. A conclusão é que um combate efetivo ao desperdício e às perdas implica tanto uma conscientização, quanto uma mudança cultural por parte de todos os que fazem parte dessa cadeia de suprimentos: produtores, transportadores, distribuidores, comercializadores e consumidores.
Durante todo o dia 12 de setembro, inúmeras palestras e painéis de debates foram realizados para tratar desse tema cada vez mais relevante e não apenas pelo aspecto financeiro, mais diretamente associado aos negócios que constituem essa cadeia, mas, também, pelo caráter social da pauta, afinal, está-se tratando de garantir que produtos troquem de destino: em vez do lixo, a mesa das famílias.
Trata-se de uma transformação que prevê, segundo os participantes do Workshop, a adoção de legislações mais flexíveis sobre validade de produtos e doações de alimentos; uso de técnicas, procedimentos e padrões mais eficientes em todas as etapas da cadeia de abastecimento, desde a produção até a casa do consumidor, e criação de plataformas integradas de combate ao desperdício. Mas tal mudança exige, sobretudo, um novo olhar por parte de varejistas e clientes sobre o que, de fato, deve ser descartado e os impactos disso.
“O que dói no coração e no bolso precisa ser tratado, pesquisado e trabalhado. Prevenir perdas exige mudança estrutural e cultural. Num momento econômico como o atual, manter nossas vendas e a lucratividade se tornou um desafio. Assim, combater o desperdício é prioridade para nossa atividade e isso envolve pessoas, processos e tecnologia”, disse o presidente da Abras, João Sanzovo Neto, durante a abertura do evento.
No primeiro painel do workshop, intitulado de “Combate ao Desperdício”, o moderador da atração e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing, José Luiz Tejon, disse que são os grandes incômodos que levam às soluções capazes de quebrar paradigmas e promover mudanças de valores. “Toda transformação se dá por meio da educação, uma missão que não é exclusiva da escola ou da academia. O varejo tem todas as condições para atuar como um educador para promover uma cultura de combate ao desperdício. Afinal, pelo varejo circulam 27 milhões de brasileiros. É uma atividade com quase 90 mil lojas, mais de 1 milhão de funcionários diretos e outros 7 mil indiretos.”
A contagem regressiva para essa mudança já começou, como deixou claro no primeiro painel do evento o oficial de programas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Carlos Biasi. “Hoje somos 7,5 bilhões de pessoas. Em 2050, poderemos ser 9,8 bilhões. Um aumento de 29%. Haverá a necessidade de aumentar a produção de alimentos em 50%. O atendimento das necessidades de alimentos, em 2050, exige ampliação de área plantada, do consumo de água e dos níveis tecnológicos com consequências para a biodiversidade”, afirmou.
Conscientização coletiva de consumidores, varejistas, feirantes e atacadistas por meio de iniciativas de comunicação e educativas; estabelecimento de metas de redução do desperdício; estratégias de venda de alimentos imperfeitos (gôndolas, marketing, preços diferenciados, etc.); inventário de perdas atualizado; melhoria da logística de distribuição (armazenagem, equipamentos adequados de transporte, estradas) e capacitação em manuseio, refrigeração e higienização são parte da solução para essas questões de interesse de todos, segundo a FAO.
Biasi também destacou boas práticas, tanto fora, quando dentro do Brasil, voltadas à redução do desperdício e combate às perdas. No Reino Unido, por meio de uma parceria entre Company Shop, Tesco e a Asda, surgiu o Community Shop, um supermercado social que oferece comida e bebidas com pequenas avarias, como embalagens danificadas ou rótulos incorretos, por valores muito inferiores aos dos mercados tradicionais.
No Brasil, Biasi destacou ações como o supermercado consciente, criado no Acre por meio de uma parceria entre a Fundação Belga House of Indians Foundation com os índios Ashaninka. Batizado como “troc troc”, ele permite a troca de materiais recicláveis — plástico, garrafas e latas — por frutas, arroz, feijão, legumes e verduras. Biasi também falou da criação do Banco de Alimentos em São Luís do Maranhão, que é abastecido por doações de supermercados e atacadistas locais de produtos aptos para consumo, mas rejeitados pelos consumidores.
Contudo, segundo o representante da FAO, a atual legislação brasileira deveria se inspirar em experiências internacionais no sentido de flexibilizar regras que hoje constituem entraves à adoção de práticas de combate ao desperdício. “Na França, estabelecimentos com mais de 400 metros quadrados [m2] são obrigados a assinar contratos com entidades assistenciais para doar alimentos.
A Itália também possui lei sobre o tema desperdício. E, na Dinamarca, é possível comercializar produtos com validade vencida.”