Impostos desanimam exportadores estrangeiros

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Crescimento da classe média aumenta mercado nacional de vinhos; altas taxas ainda são entrave.

 

Taxas que incidem sobre a importação de vinhos no Brasil fazem com que uma garrafa tenha seu preço ao consumidor multiplicado por até seis ou sete

 

A boa imagem que o Brasil ostenta atualmente mundo afora, alcançada, sobretudo, pelo bom comportamento da nossa economia num período em que o cenário internacional anda bem conturbado, tem feito com que muitos produtores de vinho voltem atenção para o mercado brasileiro. Nas últimas feiras que participei, o crachá indicando minha nacionalidade fez com que me abordassem com frequência em busca de informações sobre o consumo local e indicações de importadores, imaginando ser possível ocorrer por aqui o mesmo que se passa na China, onde as vendas de vinho explodiram nos últimos anos.

 

Invariavelmente minha resposta começa com um panorama otimista com relação ao aumento do consumo de vinho, que leva em conta não apenas hábitos - a composição da população tem forte influência de imigrantes europeus -, mas a não existência de barreiras culturais e religiosas (ao contrário da China e também da Índia, outro país que tem merecido atenção por parte dos negociantes). Aliado a isso, há, sem dúvida, o crescimento acentuado da classe média brasileira, que tende a se interessar cada vez mais por vinho, abandonando aos poucos a cerveja.

 

Com mais dados e gráficos, essa foi a base de uma apresentação sobre o mercado brasileiro que fiz a pedido da organização do Wines of Chile durante o concurso de vinhos chilenos no começo deste ano. Os números extraídos de um estudo desenvolvido pelo Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio mostravam que a classe C representava 37% da população em 2002, tendo passado a 50% em 2009 e devendo alcançar cerca de 58% em 2014, o que representa, aproximadamente, 115 milhões de pessoas. Crescimento significativo também deverá ter o conjunto formado pelas classes A e B, que deve passar de 20 milhões em 2009 para algo em torno de 31 milhões num período de cinco anos.

 

Nessa altura já se percebia um sorriso e um esfregar de mãos dos mais de 400 produtores chilenos presentes no salão, além de olhares surpresos dos jornalistas internacionais, companheiros de júri do concurso, com o mercado potencial de vinho no Brasil. A tela seguinte da apresentação, no entanto, tinha apenas um "but..." (porém...) para emendar com "The greatest obstacle to increase the wine consumption: the Government" (o maior obstáculo para o aumento do consumo de vinho: o Governo). Como subtítulo: "in Brazil, wine is considered superfluous, not part of the requirements, or even more, the eating habits of the people, high taxes" (no Brasil, vinho é considerado supérfluo, não faz parte das necessidades, ou mais ainda, dos hábitos alimentares da população, pelas altas taxas). Enquanto na França, Espanha e vários outros países, como o próprio Chile e Argentina, o vinho é considerado complemento alimentar, no Brasil ele sofre tratamento tão duro quanto produtos nocivos à saúde e, pasmem, de armas.

 

Vinha a seguir uma explicação das taxas que incidem sobre a importação de vinhos no Brasil, que fazem com que uma garrafa comprada pelo importador junto ao produtor tenha seu preço ao consumidor multiplicado por seis ou sete - olhos esbugalhados na plateia. Cabe ressaltar que para compor os números apresentados na ocasião me vali de informações junto a importadores, advogados tributaristas e dados passados por pessoas ligadas às associações que reúnem as empresas do setor, ABBA (Associação Brasileira dos Exportadores e Importadores de Alimentos e Bebidas) e Abrabe (Associação Brasileira de Bebidas).

 

Partindo de um preço base fictício de dez, num primeiro momento o vinho, depois de nacionalizado, sem maiores entraves, passa a valer em torno de 25 (150% de taxas e impostos) - procedente do Mercosul é isento do imposto de importação de 27%, mantém IPI, fretes terrestres e marítimo, taxas aeroportuárias, PIS/Cofins e, sobre todas elas somadas, 25% de ICMS -, com alguma variação em função do custo (vinhos baratos mais do que os caros), do gênero (espumantes pagam mais), do porto de desembarque (o de Santos é o mais alto), entre outras variáveis. A um preço de venda de 60, que daria o fator multiplicador seis acima citado, incide os mesmos impostos mais a diferença de ICMS depois de nacionalizado (25% sobre 35), o que no total pode representar 60% do preço da garrafa (!). Do que sobra, 40%, cabe ao importador pagar, em sua grande maioria antes de vender, o produtor e os custos operacionais.

 

Me lembro de Adolar Hermann, dono da Decanter e homem unanimemente respeitado, dizer numa mesa redonda da Expovinis há dois anos que o lucro líquido de qualquer empresa idônea do setor fica entre 10% e 15%, no máximo. Convenhamos que não é nenhum "negócio da China", depois de bancar todos estes custos e arcar com o risco da empreitada. Convencidos disso, as questões que me foram colocadas pelos produtores chilenos na época e que continuam sendo feitas por aqueles que me perguntam sobre o potencial do mercado brasileiro é se não há alguma maneira de o governo rever essa política. Acredito, infelizmente, que só se for em função de possíveis acordos comerciais com outros países. O que, aliás, a Índia está fazendo agora.

 

Internamente, é muito pouco provável qualquer mudança, até porque há interesses contrários em jogo. Não só dos produtores brasileiros - ainda que o vinho nacional também seja altamente taxado, e uma redução nos impostos fosse benéfica -, mas também por questões políticas, como ficou provado há alguns anos com o veto do Governo gaúcho à votação da Assembleia do Rio Grande do Sul para baixar o ICMS no Estado, temendo reações contrárias por parte, segundo consta, dos que consideravam a medida um incentivo ao alcoolismo.

 

É de se perguntar se estava enganado Thomas Jefferson, terceiro presidente e personagem importante da história americana, que dizia que consumir vinho era um hábito diário indispensável à saúde e defendia isenção de impostos para que o povo tivesse acesso à bebida. E declarou que "nenhuma nação é ébria onde o vinho é barato; e não é sóbria a nação em que a falta de gosto pelo vinho faz com que destilados ardentes se tornem a bebida mais popular. Eis, na verdade, o único antídoto para o veneno do whisky". Para a pinga e para a cerveja também.

 


Veículo: Valor Econômico

 


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