Afinidade, semelhanças estruturais e objetivos comuns têm feito com que vinícolas juntem esforços para promover suas ideias e seus produtos mundo afora. Exemplo bem conhecido é o dos Douro Boys - Niepoort, Quinta do Vale Meão, Quinta do Vale Dona Maria, Quinta do Vallado e Quinta do Crasto -, cinco produtores portugueses com anos de convivência e de ajuda recíproca, que entenderam ser mais eficaz divulgar seus vinhos em bloco do que individualmente. Numa linha à primeira vista mais institucional, o conceito também se estende à Primum Familiae Vin (PFV), grupo de vinícolas familiares fundado em 1993 que reúne 11 nomes de peso no cenário vinícola internacional - Marchesi Antinori, Château Mouton Rothschild, Joseph Drouhin, Egon Müller Scharzhof, Hugel & Fils, Champagne Pol Roger, Perrin & Fils (Château de Beaucastel), Symington Family Estates (Porto Graham's e outros rótulos do Douro), Tenuta San Guido (Sassicaia), Miguel Torres e Vega-Sicilia.
O mesmo espírito levou 19 prestigiados produtores italianos, que guardam estrutura e gestão familiar, a criar, em 2004, o Istituto del Vino Italiano di Qualità - Grandi Marchi. São eles: Alois Lageder, do Alto Adige; Ambrogio e Giovanni Folonari Tenute, Toscana; Antinori, Toscana, e várias outras regiões da Itália; Argiolas, Sardenha; Biondi Santi Tenuta Greppo, Toscana; Cà del Bosco, Lombardia; Carpenè Malvolti, Veneto; Donnafugata, Sicilia; Gaja, Piemonte e Toscana; Jermann, Friuli-Venezia Giulia; Lungarotti, Umbria; Masi, Veneto; Mastroberardino, Campania; Michele Chiarlo, Piemonte; Pio Cesare, Piemonte; Rivera, Puglia; Tasca D'Almerita, Sicilia; Tenuta San Guido (Sassicaia), Toscana; e Umani Ronchi, Marche. Repetindo o que já havia feito em 2011, o consórcio organizou na semana passada em São Paulo um evento reunindo doze de seus membros. Cada um elegeu um rótulo expressivo de sua gama mais alta para compor uma mega degustação, talvez a melhor já realizada por aqui nos últimos tempos. Não apenas pela qualidade dos vinhos em si, todos de primeiro nível, mas por representarem fielmente suas origens.
Se identidade já é, sobretudo hoje em dia, uma questão fundamental, em se tratando de Itália ganha ainda mais dimensão. Tem a ver com a incrível vocação vinícola da quase totalidade de seu território, com cada região preservando e se caracterizando majoritariamente pela utilização de castas nativas. Trair esses preceitos é, em especial na Itália, altamente condenável. Ainda assim, há produtores pouco interessados em se prender a eles. Cabe daí ressaltar o trabalho dos integrantes do Grandi Marchi.
Pode parecer contraditório, mas a vitivinicultura italiana passou por um importante e necessário processo de renovação, iniciado em meados da década de 60, que teve como ponto de partida uma flexibilização das normas impostas pela legislação, principalmente no que se refere à adoção de variedades de uva internacionais. A bem da verdade fazia sentido.
Esse, por assim dizer, renascimento da Itália vinícola começou na Toscana, onde a qualidade dos chiantis, pela inexistência de regras, era sofrível. Era pratica comum a mistura de vinhos de várias zonas, impossibilitando determinar com certeza sua origem e daí sua defesa no mercado. A introdução da legislação DOC, Denominazione di Origine Controllata, em 1964 tentou colocar ordem na casa, delimitando áreas de produção e estabelecendo regras de cultivo, entre elas as variedades que deveriam (obrigatoriamente) serem utilizadas.
A definição das castas a serem empregadas não levava em conta qualidade, mas o aproveitamento de vinhedos então plantados, entre eles, vale destacar, parcelas significativas de uvas brancas. A saída, para quem buscava vinhos acima da média, foi abrir mão da Denominação de Origem (chianti), e utilizar castas "proibidas", em especial merlot e cabernet sauvignon, que permitiriam atingir patamares superiores de qualidade. Nascia, então, uma nova categoria de vinhos, vinhos "rebeldes", que ficou conhecida, informalmente, por "supertoscanos". É o caso do Sassicaia, Tignanello e Solaia.
A rigidez e a lentidão da legislação italiana demorou a reconhecer os benefícios advindos da introdução de uvas estrangeiras, fato que o mercado todo já havia identificado. Por muito tempo, os ditos supertoscanos ficaram sem classificação oficial, sendo confundidos como meros Vino da Tavola, os malfadados e desqualificados vinhos de mesa. A correção só viria em 1992, com a instituição da menção IGT, Indicazione Geográfica Típica, usada até hoje por boa parte dos rótulos italianos de primeira linha que utilizam castas não autorizadas pelas normas vigentes em suas Denominações de Origem, mas que são (ou podem ser) adequadas ao terroir. Em resumo, o produtor pode interpretar com liberdade o potencial qualitativo que sua terra oferece.
Isso, em todo caso não é garantia de qualidade, assim como a menção DOC ou mesmo DOCG. São apenas de garantias de procedência. A qualidade de um vinho está associada única e exclusivamente ao potencial do vinhedo - o chamado terroir - e à capacidade, talento e propósito de quem tem a responsabilidade de extrair esses recursos ofertados por "mamãe natureza". O conselho é se fixar no nome do produtor e, se agradar, ser fiel a ele.
Veículo: Valor Econômico