Para falar com o consumidor e fortalecer a marca, empresas criam campanhas específicas para boates, clubes noturnos e bailes funk
O rum Bacardi era daquelas bebidas que ficam em prateleira de bar, pegando poeira. Ser visto na balada com um copo de Bacardi na mão estava longe de causar a melhor das impressões. Não por acaso, as vendas de rum rolavam ladeira abaixo: despencaram 18% em litros, de 2008 a 2010, segundo a Nielsen, enquanto quase todo mercado de bebidas alcoólicas batia recordes no País.
No ano passado, porém, os números começaram a mudar. Na Barcardi, as vendas cresceram 400% em volume e a produção teve que se estender por três turnos - manhã, tarde e noite - incluindo sábados e domingos. "Mudamos toda estratégia da empresa e caímos de cabeça nos bailes funk do Rio de Janeiro. Foi uma explosão de vendas", diz Fabio Di Giammarco, novo diretor-presidente da Bacardi Brasil, com sede e fábrica em São Bernardo do Campo. "Cair no funk foi nosso pulo do gato", diz o executivo, que assumiu o cargo em fevereiro.
Funk. O mergulho no mundo do funk carioca, diz Di Giammarco, começou a ser planejado no início do ano passado. A marca havia remodelado suas embalagens no fim de 2010 e queria saber o que o consumidor achava de seu produto. Nos bailes funk cariocas, onde vão de 7 mil a 10 mil pessoas por noite, de várias classes sociais, era fácil, segundo o executivo, fazer a sondagem. "Perdi a conta de quantas vezes fui a um baile desses", diz ele, que é venezuelano de nascimento e italiano naturalizado. "Descobrimos que o consumidor queria uma bebida com sabor e aroma agradáveis. Por isso muita gente tomava vodca com energético", conta Di Giammarco. A Bacardi, então, criou um drinque simples: Bacardi Big Apple (sua versão de rum, gelo e soda limonada). "É mais barato e entrega o sabor que o consumidor quer", explica.
A empresa - que nunca fez grandes campanhas de marketing - criou ações nos bailes para distribuição de amostras, confeccionou materiais promocionais - copos com marca Bacardi, porta-copos, luminosos. Agora, a partir do que foi feito na balada, a empresa lançou uma campanha que inclui filme de TV, material impresso e redes sociais. As pesquisas de mercado mostram o resultado da ação. As vendas de rum no Grande Rio, região onde fica a maior parte das casas de funk, cresceram 279% este ano, até abril, em volume, segundo a Nielsen, enquanto a média nacional foi de queda de 1,06%. "O rum Bacardi ficou tão popular no Rio que as pessoas criaram até o funk do Bacardi", conta Di Giammarco.
Respostas na noite. "A noite, por muito tempo, foi vista pela indústria apenas como uma situação de consumo", diz Andre Lima Verde, gerente da Pernod Ricard Brasil. "Mas a balada é o melhor lugar para se encontrar as respostas do consumidor e construir marca", afirma o executivo da empresa, dona da vodca Absolut. "É onde ele está disposto a experimentar novas bebidas", afirma o executivo.
Por isso, a Pernod resolveu inverter sua estratégica de comunicação, segundo Lima Verde. Em vez de lançar uma campanha nos meios de comunicação e partir somente depois para ações nos pontos de consumo (casas noturnas, restaurantes, etc...), a Pernod começa agora sua nova campanha na balada.
Foram escolhidas 180 casas noturnas em 13 cidades de seis estados. As ações pretendem transformar o ato de pedir um drinque em uma experiência surpreendente para o consumidor, com o uso de material promocional assinado por artistas plásticos e a distribuição de brindes "bacanas", como uma carteira de papel, com preço médio no varejo de R$ 50, também assinada por artistas.
Todo material é criativo, colorido e até luminoso. Nada é simples ou discreto. "Na noite, o brasileiro que melhorou de vida não tem pudor de gastar e mostrar que está gastando", diz o executivo. "É a cultura do 'show off', de se mostrar". Para cativar esse consumidor que quer se exibir, a Pernod desenvolveu um display luminoso no qual a champanhe Perrier-Jouët é servida. "Quando a pessoa faz o pedido, o garçom vem desde o bar até a mesa com o champanhe em uma caixa com luzes de led", explica Lima Verde. "Todo mundo olha."
"As pessoas querem mostrar quem são por meio da bebida que consomem", diz Claudio Czarnobai, analista de mercado da Nielsen. Essa característica do comportamento do consumidor, segundo ele, faz da balada o lugar certo para que as empresas de bebidas façam suas ações de construção de marca. "Quem não trabalha constantemente para manter uma marca forte, que passe ao consumidor atributos de status, fica fora do mercado", diz Czarnobai.
Era o que acontecia no Brasil com o uísque americano Jack Daniel's. "Sem ações de marketing, a marca se tornou envelhecida", diz Priscilla Gomes, gerente de marketing de Jack Daniel's no Brasil. Há três anos, o grupo americano de bebidas Brown-Forman, dono da marca, assumiu a operação nacional, que antes ficava a cargo de distribuidores terceirizados.
Este ano, pela primeira vez, Jack Daniel's fará uma ação focada em casas noturnas. "Não posso falar em valores, mas nosso investimento é 60% maior que o do ano passado", diz Priscilla. "Para uísque importado, como é Jack Daniel's, o canal 'on premisse', que são as casas noturnas, bares e restaurantes, representa 60% das vendas", diz a executiva.
A marca, conta ela, está promovendo festas em 50 casas noturnas e bares de seis cidades pelo País para comemorar o mês do aniversário de 162 anos de Mr. Jack, criador do Jack Daniel's. Os consumidores terão direito a promoções especiais para compra de garrafa ou de drinques.
Anjos. "O uísque sempre foi visto como uma bebida de homem, consumido puro ou só com gelo - queremos mudar isso". Para mostrar novas formas de consumo, a Brown-Forman escolheu casas focadas no público classe A de Campinas e de São Paulo. Durante as baladas, garotas vestidas de anjo, chamadas de Jack Angels, servem amostras de drinques feitos com o uísque. As receitas da bebida e as casas onde as ações acontecem, segundo Priscilla, são divulgadas por meio da página da marca no Facebook. "É importante fechar o cerco, fazendo ações além da noite, não só para animar o consumidor a sair da frente do computador e ir para balada, mas continuar envolvendo quem já teve contato com Jack Daniel's", diz Priscila.
Estratégias como essa, segundo Czarnobai, da Nielsen, são fundamentais para fomentar o crescimento do consumo de categorias, como a de uísque e vodca importados. Só este ano, as vendas de vodca importada cresceram 64%, em litros. As de uísque super premium, 58%.
Outra razão para que as companhias de bebidas alcoólicas fortaleçam suas ações na balada é a concorrência mais bem acirrada. "Nos últimos 18 meses, o número de marcas de bebidas alcoólicas no mercado nacional cresceu 100%, isso sem contar as cervejas", diz Claudio Czarnobai, analista da Nielsen. Hoje, segundo ele, há cerca de 50 marcas disputando o consumidor brasileiro, que sempre foi mais amigo das cervejas que dos destilados. Tanto que, considerando todo o mercado de bebidas alcoólicas, as cervejas respondem por algo entre 80% e 90% do volume. A cachaça fica com uma fatia de 3% a 4%.
"Na indústria de bebidas, a maior influência na tomada de decisão de consumo é a marca. Por isso e por conta do aumento da concorrência, os investimentos em ações na balada são imprescindíveis", diz Fabio Di Giammarco, da Bacardi. Para ele, o consumidor brasileiro está, nos últimos anos, descobrindo um novo mundo fora da cerveja e a indústria está atenta a isso. Os números de crescimento de mercado apontam os novos hábitos dos consumidores. As vendas de de bebidas alcoolicas como vodca, rum e uísque aumentaram 7,1% em volume no ano passado. No mesmo período, o avanço da cerveja. mercado já consolidado. foi de 2,3%.
"O brasileiro quer novas bebidas, novos drinques e está descobrindo um mundo que é muito comum no exterior, o da coquetelaria", diz Di Giammarco. "Mesmo quem não viaja, acaba sendo influenciado por pessoas que vão ao exterior e voltam contando que tomaram coquetéis e drinques diferentes", acrescenta.
Veículo: O Estado de S.Paulo