A ressaca de St. Louis

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A cidade americana e a Budweiser tinham uma relação umbilical. Mas, desde a venda da empresa para a InBev, os moradores vivem na incerteza

 

A APARÊNCIA SUGERE que a vida segue normalmente. Por baixo da superfície, porém, Saint Louis é uma cidade que perdeu uma de suas mais importantes referências. A compra da cervejaria Anheuser-Busch pela belgo-brasileira InBev, concluída em novembro passado, colocou um ponto final numa história conjunta entre a empresa e a cidade. O relacionamento teve início em 1860 e gradualmente se intensificou até a família Busch, controladora da empresa, decidir aceitar a oferta da InBev em julho de 2008. A partir de então, um clima de incerteza passou a reinar entre os habitantes da cidade. As ruas de Saint Louis ainda estão cheias de referências à Budweiser, a "rainha das cervejas" e carro-chefe da Anheuser-Busch, mais do que em outras cidades dos EUA. A sensação em restaurantes e lojas, porém, é de que as tradicionais latinhas brancas e vermelhas estão mais raras. Alguns hotéis de luxo oferecem outras marcas de cerveja em seus quartos e nos cardápios de seus restaurantes, e o mesmo se vê em outros pontos comerciais, como nos cassinos.

 

Se grandes mudanças no cenário da cidade ainda não são visíveis, a população já tem a percepção de que as coisas já não são como antes. "Os artigos da Bud ainda vendem bem. Mas acho que antes havia mais produtos com a marca, assim como mais gente comprando", afirma Michael Barton, vendedor de uma loja de eletrônicos situada a menos de 50 metros de um quiosque que vende artigos da Budweiser, dentro do aeroporto de St. Louis. Para ele, mesmo as pessoas da cidade estão menos propensas a vender essas mercadorias, pois já não se sentem tão ligadas à companhia que até pouco tempo era parte integrante de sua vida e história. A preocupação dos moradores nasce da incerteza com relação ao que será feito das ações que a Anheuser- Busch promovia em benefício da cidade e de seus 355 mil habitantes. Desde educação e preservação de meio ambiente até esportes e cultura, a Anheuser-Busch está sempre presente no dia-a-dia de St. Louis. Por enquanto, nada foi cortado, mas isso não é garantia para o futuro, na opinião da população. Ainda assim, logo que assumiu o controle, a In- Bev já deu sinais de que não é tão altruísta quanto a antiga controladora da cervejaria. Em uma de suas primeiras manifestações, a belgobrasileira afirmou que pretende se desfazer dos parques de diversão Busch Gardens, parte dos ativos da Anheuser-Busch, por não terem relação com seu negócio principal.

 

"Não está claro se a InBev vai continuar os programas e projetos que a Anheuser-Busch tinha aqui em Saint Louis e é isso que tem preocupado as pessoas", diz o motorista de ônibus de turismo Sanford "Sandy" Weinberg, natural da cidade. "Afinal, a orquestra sinfônica, casas de filantropia e até mesmo o time de baseball (St. Louis Cardinals, comprado pela Anheuser-Busch em 1953) dependem bastante de contribuições da empresa e pode ser que, por não ter uma ligação tão forte com a cidade, a InBev decida por cortar esses apoios", diz Weinberg. Outra incerteza entre os moradores da cidade está relacionada à estabilidade dos trabalhadores da cervejaria, uma das maiores empregadoras de St. Louis. Quando adquiriu a empresa, a InBev anunciou que iria reduzir a força de trabalho da Anheuser-Busch em cerca de 1,8 mil posições. Esse corte, porém, se daria com incentivos à aposentadoria antecipada e com a eliminação de vagas em aberto. O problema é que a empresa não disse categoricamente que cortes de funcionários estavam fora de cogitação. "E essa crise, agora, não ajuda em nada o pessoal, que fica ainda mais preocupado", afirma Weinberg, amigo de vários trabalhadores da cervejaria.

 

Ainda que contrariadas, muitas pessoas na cidade - como o próprio Weinberg - afirmam que a venda da cervejaria foi inevitável. "A oferta (de US$ 52 bilhões) era simplesmente boa demais para que a família Busch e os outros acionistas não aceitassem", diz o motorista. Alguns cidadãos da cidade, é verdade, sentiram-se traídos pela venda da companhia que, para eles, faz tanto parte da história quanto o enorme arco de 192 metros, o Portal do Oeste, que à beira do Mississippi é o cartão- postal da cidade. Tanto que muitos se recusam até hoje a comprar a Budweiser feita pela InBev. A maioria, porém, se resignou com o que veem como algo natural num país aberto a negócios como os EUA. E, a despeito das dúvidas quanto ao papel que a InBev terá na cidade, terão mesmo que se resignar já que, agora, a Bud fala francês e português.

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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