O talento de Ângelo Salton

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Sem romper com o passado, ele revolucionou o modelo de negócios do setor e mostrou que há espaço para marcas brasileiras de vinhos

 

Nas vésperas de seu centenário, a vinícola Salton perdeu o seu presidente. Ângelo Salton Neto faleceu na semana passada, vítima de infarto, aos 56 anos. A morte precoce tirou de cena uma das mais fortes personalidades do mundo do vinho. Salton deixa um importante legado para o Brasil, especialmente neste momento de crise internacional. É um exemplo a ser seguido. Membro da terceira geração de uma família de imigrantes italianos, ele entrou na Salton aos 25 anos, em 1977, e revolucionou o modelo de negócios recebido de seus antecessores. De uma empresa mais conhecida pelo popular conhaque Presidente, a Salton se transformou em líder no concorrido mercado de vinhos finos. Foi um longo e árduo caminho, que exigiu muita perseverança e obstinação do empresário, um ardoroso defensor do produto nacional.

 

O engenheiro Salton não era um especialista em vinhos, mas tinha uma percepção apurada do mercado e um talento natural para promover as suas marcas. Em 1999, percebeu a crescente sofisticação dos consumidores e lançou sua primeira linha de vinhos finos, com o selo Classic. A quem questionava sua estratégia, ele dizia que já havia ganho muito dinheiro com uma bebida popular, que representava 90% do faturamento da empresa, e que estava na hora de ousar para diversificar o portfólio. Hoje, o Presidente equivale a menos da metade do faturamento. Salton não só enfrentou o preconceito com o vinho nacional como encarou de frente uma acirrada competição dos produtos importados, especialmente da Argentina e do Chile. Em vez de só ficar reclamando do dólar baixo e da falta de apoio do governo, como fazem muitos empresários, arregaçou as mangas e foi à luta. Investiu R$ 30 milhões na vinícola da família na região de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, e saiu a campo para promover os frutos do investimento. Conhecido por seu imbatível bom humor, ele gastou muita sola de sapato e saliva em feiras especializadas e eventos para convencer os especialistas e os consumidores finais a provarem seus vinhos e espumantes. Não tinha medo de ouvir críticas e procurava aprender com elas.

 

As bebidas populares bancaram os seus sonhos de fazer um vinho diferenciado. Salton saiu da zona de conforto e investiu os lucros num segmento então pouco explorado e desconhecido para os vinicultores brasileiros. Foi buscar na arma que usaria em seu mercado local. A Salton foi a primeira vinícola brasileira a contratar um enólogo estrangeiro, o argentino Angel Mendoza. Visão, ousadia e inovação marcaram sua gestão. Ele não poupou dólares na importação de tanques de inox, barricas francesas e de novas tecnologias para modernizar a vinícola na Serra Gaúcha. Também enfrentou o tradicionalismo na gestão de vinhedos, mudou a forma de plantar as vinhas e sacrificou o rendimento por planta em busca de maior qualidade. Sem romper totalmente com o passado, ele avançou no futuro. Não fez isso sozinho, mas soube liderar e convencer os sócios e os colaboradores de que era o melhor caminho.

 

Ao mesmo tempo que produzia o popular vinho de mesa Chalise, que hoje vende incríveis dez milhões de garrafas por ano, ele investiu em linhas de tintos e brancos finos para ganhar as mesas dos consumidores com maior poder aquisitivo. Salton chegou lá. Em 2002, depois de ganhar medalhas em concursos de vinho internacionais, conseguiu colocar as suas primeiras garrafas na carta de vinhos do sofisticado restaurante Fasano, em São Paulo. Dois anos depois, desbancou a francesa Moët Chandon na liderança do mercado brasileiro de espumantes finos. Hoje, a Salton vende cinco milhões de espumantes por ano. Seu vinho Salton Talento, lançado em 2004, passou a ser considerado, por muitos especialistas, o melhor tinto do País. Sem saber que era impossível, Salton foi lá e fez. Foi-se o homem, ficou o sonho de tornar sua empresa a maior e melhor vinícola do Brasil. O desafio para a Salton, como sempre acontece em empresas que perdem o seu principal líder, é encontrar um sucessor à altura. A família não estava preparada para uma fatalidade como essa - e qual está?
 
 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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