Arthur Badin: Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); Após punição à AmBev, Badin diz que, para órgão continuar evoluindo, é preciso mudar o sistema de defesa da concorrência
Um dia após o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) impor a maior multa de sua história à Ambev, dona de quase 70% do mercado brasileiro de cervejas, o presidente do órgão, Arthur Sanchez Badin, avaliou ontem que o Cade alcançou a "maturidade institucional". "O Cade amadureceu, e não porque eu estou aqui, ou qualquer outra pessoa, mas porque, de alguma forma, todo mundo que passou por aqui cumpriu o papel que lhe cabia", afirmou Badin. O Cade é o órgão responsável por julgar fusões, aquisições e condutas anticompetitivas das empresas.
Na quarta-feira, o conselho multou em R$ 352,7 milhões a AmBev por conduta anticoncorrencial na execução do seu programa de fidelidade de pontos de venda, o "Tô Contigo". O programa foi considerado prejudicial às demais cervejarias e também aos consumidores finais.
Badin não votou nesse caso por ter se declarado impedido, já que trabalhou na Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, na instrução do processo. Em entrevista ao Estado, ele disse ontem que a decisão foi técnica e embasada em avaliações isentas. "E foi fruto de um trabalho coletivo dos órgãos de defesa da concorrência", destacou. Na mesma sessão de julgamentos, a empresa Telefônica também foi multada pelo conselho, em R$ 1,9 milhão, por descumprimento parcial de um acordo firmado com o Cade. A seguir, os principais trechos da entrevista:
A decisão do Cade é um sinal para as empresas temerem mais as análises conselho?
Acho que o Cade não está mais rigoroso, o que acontece é que estão chegando ao conselho mais casos sobre conduta das empresas. Até 2002, apenas dois casos de cartel haviam sido enviados ao Cade para julgamento e, a partir de 2003, um número enorme de novos casos foram denunciados e apurados pela SDE. Houve um foco no combate a cartéis e houve o reconhecimento da sociedade de que o Cade é um órgão técnico, independente e que não cede a ingerências políticas. Alcançamos um amadurecimento institucional.
E como se deu esse amadurecimento?
Como o próprio conselheiro Fernando Furlan (relator do processo contra a AmBev) frisou no seu voto, a decisão revela um trabalho coletivo, que não é de agora, mas que nós herdamos de outras gerações de pessoas que trabalharam no sistema. O Cade amadureceu, e não porque eu estou aqui, ou o conselheiro Furlan, ou qualquer outra pessoa, mas porque, de alguma forma, todo mundo que passou por aqui cumpriu o papel que lhe cabia. O Gesner de Oliveira (presidente do Cade no fim dos anos 90 e hoje presidente da Sabesp), por exemplo, tinha aqui um assessor que lia os jornais para ver quem comprou quem e mandar cartas alerta
dizendo: "Olha, vocês têm de apresentar essa operação em quinze dias ao sistema." Esse era um momento em que era preciso fazer a Lei pegar no País.
O Cade está livre de interferências políticas?
A sessão de ontem (quarta-feira) revelou que o Cade completou um ciclo de amadurecimento institucional. O Cade passou por dificuldades, decisões difíceis e tentativas de ingerências políticas no passado. O caso Nestlé/Garoto é um exemplo importante e um fato que marcou a capacidade do órgão de resistir a qualquer tentativa de interferência política. Hoje, nós temos o privilégio de colher os frutos desse processo de amadurecimento e muito por mérito dos que nos antecederam.
A forma de se instruir os processos faz diferença para que o Cade possa julgar casos como o da AmBev, que ficou cinco anos em análise?
No caso AmBev, a SDE realizou o primeiro caso de inspeção importante na sede de uma empresa. Houve um trabalho de investigação, a contratação do Ibope para fazer uma pesquisa independente e produzir uma estatística importante para o processo. Foi a primeira vez que houve uma inspeção em que não se precisou tirar os computadores de dentro da sede da empresa. Com isso, o Cade está seguro para dar decisões com a qualidade técnica que essa tem. Mas, além da SDE, houve o trabalho do relator, que foi minucioso, cuidadoso e bastante discutido com os demais conselheiros. Enfim, um trabalho coletivo.
Mas ainda há a possibilidade de recurso por parte das empresas, até mesmo ao Judiciário.
Discutir uma decisão do Cade faz parte da democracia e do estado democrático de direito, mas as empresas têm de fazer um depósito judicial da multa ou apresentar uma carta fiança bancária para isso.
Essa foi uma das grandes vitórias silenciosas da procuradoria-geral do Cade nos últimos quatro anos. Já existia, desde 1994, essa previsão legal, mas nunca se pediu o seu cumprimento. Em 2006, demos uma guinada para focar a procuradoria na defesa de contenciosos e fazer a defesa judicial das decisões do Cade. Assim, conseguimos consolidar, tanto no STJ (Superior Tribunal de Justiça) quanto no TRF (Tribunal Regional Federal), esse entendimento sobre a necessidade do depósito judicial da multa.
No passado, isso não existia?
Em condenações passadas, como a do chamado cartel do aço, em 1999, e que foi judicializada em 2000, não tem depósito. Foram aplicadas pelo Cade, à época, multas de alguns milhões de reais que as empresas estão discutindo até hoje no Judiciário e não fizeram o depósito. Foi um bom negócio para elas porque pegaram aquele dinheiro, fizeram investimentos e aquele valor representa hoje muito pouco financeiramente.
Mas, o Cade ainda peca pela demora de alguns processos. Como melhorar isso?
Para conseguirmos continuar nessa trajetória de melhoria, é preciso aprovar o projeto de lei que reestrutura o sistema de defesa concorrência, que institui a análise prévia de fusões e amplia o quadro de técnicos. Os recursos hoje são escassos e, sem a unificação de estrutura, não temos como dar respostas rápidas às empresas. Para se ter uma ideia, na época da instrução do caso AmBev, quando foi feita a inspeção na sede da empresa, foram mobilizados 12 técnicos.
Ele chegaram à empresa às 7 da manhã de uma sexta-feira e saíram ao meio-dia da segunda-feira. A secretaria tem no total 17 técnicos, e tiveram de sair 12 pessoas de Brasília para São Paulo. A secretaria praticamente trabalhou em função de um único caso nesses dias, paralisando vários processos. Isso não pode continuar assim. Para se manter a trajetória de melhoria, é fundamental a aprovação do projeto de lei.
Veículo: O Estado de S.Paulo