Marfrig pisa no freio e vende ativos

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Empresa começa a vender operações para reduzir dívidas, enquanto bancos e concorrentes discutem alternativas para o setor de frigoríficos no País


Depois de anos comprando empresas no Brasil e no exterior, a ponto de formar a quarta maior indústria de carnes do mundo, o frigorífico Marfrig inverteu o sinal. O grupo anunciou ontem a venda da divisão de logística da americana Keystone para a Martin Brower, por US$ 400 milhões. No Brasil, o Marfrig também busca se desfazer de um terminal que tem no porto de Itajaí, em Santa Catarina.

São os primeiros passos do Marfrig para reduzir uma dívida que incomoda o mercado. Mais do que isso, as operações podem fazer parte de um processo maior - está em curso uma negociação delicada, que corre no mais absoluto sigilo e, dependendo do rumo que tomar, pode provocar uma reviravolta no setor de frigoríficos no Brasil.

A operação envolveria a venda e a troca de negócios entre Marfrig, Brasil Foods (BRF), Minerva e, numa hipótese neste momento mais remota, até o JBS. Essa reorganização pode se tornar necessária porque o setor enfrenta o pior momento dos últimos anos. Com a alta do preço do boi, JBS, Marfrig e Minerva tiveram forte aumento de despesas, que consumiram parte do capital de giro, deixando suas dívidas mais pesadas.

A situação parece mais complicada para o JBS e o Marfrig, que se endividaram fortemente para financiar uma agressiva política de aquisições. O JBS já foi muito questionado e começou a reduzir investimentos e reorganizar a companhia. O mercado, agora, voltou os olhos para o Marfrig.

Castigado pelos investidores, o Marfrig vale hoje na bolsa R$ 2,7 bilhões, menos da metade do seu patrimônio líquido e quase quatro vezes menos que a sua dívida total. Diante do cenário preocupante, os principais credores começaram a conversar com a concorrência, sugerindo a venda ou a troca de ativos entre o Marfrig e as outras empresas.

Segundo apurou o Estado, representantes de Itaú, Bradesco e Santander já sentaram para tratar do assunto com os donos dos frigoríficos. Executivos das empresas também trocam informações. Todos negam a existência de uma ação organizada, mas explicam que discutem alternativas caso a situação do setor fuja do controle. "De todos os bancos com que temos relacionamento, nunca houve um pedido para eu vender ativos", disse Marcos Molina, fundador e presidente do Marfrig.

Não é que Molina rejeite totalmente a ideia de vender ativos - até já iniciou esse processo com a operação de ontem. Antes de fechar com a Martin Brower, já tinha negociado a entrada do fundo de investimentos Gávea, do ex-presidente do BC Armínio Fraga, na Keystone - as conversas, porém, não prosperaram.

O dono do Marfrig diz que a venda do braço de logística da Keystone saiu porque se encaixa em sua estratégia de se desfazer apenas de negócios que estão fora do foco principal, que é a industrialização de carne. No entanto, as hipóteses aventadas pelos credores vão além disso.

Oportunidade. A necessidade da BRF de vender um pacote de ativos para cumprir as ordens do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e aprovar a fusão entre Sadia e Perdigão abriu oportunidades. Com as fábricas, marcas e centros de distribuição da concorrente, o Marfrig poderia dobrar o tamanho da Seara - seu braço de venda de processados de frango e suínos no mercado interno.

A Seara já passou pelas mãos de Cargill e Bunge, e sempre teve problemas de marca e distribuição. A empresa é estratégica para Molina, que tem planos de transformá-la em marca global. Desde que foi comprada, porém, não ultrapassa 8% de participação do mercado brasileiro, apesar de pesados investimentos.

O problema é que o empresário não tem dinheiro sobrando no caixa ou capacidade de endividamento para comprar os ativos da BRF. Segundo fontes próximas à Brasil Foods, se não houver outra alternativa, a empresa poderia fazer uma troca. O Marfrig ficaria com o pacote da BRF e entregaria a Quickfood, na Argentina, e Moy Park, na Europa. A Keystone não está no radar da Brasil Foods. Molina não descarta o negócio, mas diz que precisa analisar com cuidado os ativos da concorrente.

A negociação entre Marfrig e BRF não é simples e há discordâncias de valores. Pelas estimativas do mercado, Quickfood e Moy Park valeriam juntas R$ 700 milhões. Nas contas da BRF, o pacote de seus ativos custaria mais de R$ 1 bilhão - número questionado por analistas.

Outra alternativa, também tratada em conversas reservadas, seria a venda ou a fusão do abate de bois de Marfrig e JBS ou Marfrig e Minerva. Como as margens dessa atividade são apertadas, o ganho de escala e as sinergias melhorariam a rentabilidade. Sempre afável, Molina se irrita quando ouve a hipótese: "Outro dia um amigo ligou e perguntou se já tinha fechado negócio com o Minerva. Não faz nenhum sentido".

A fusão entre o JBS e o Marfrig é complicada, porque provocaria forte concentração na compra de gado e dificilmente seria aprovada no Cade. Fontes ligadas ao JBS dizem que a empresa está consolidando suas aquisições e, a princípio, não teria interesse.

Para juntar o abate de bois de Marfrig e Minerva, seria preciso equacionar as altas dívidas dos dois frigoríficos. Numa eventual venda, o Minerva assumiria parte do débito do Marfrig, desde que não fosse muito elevado. Fontes próximas ao Minerva dizem que a empresa está aberta a estudar o negócio, mas "não quer trazer problema para dentro de casa".

De qualquer forma, o abate de bois já não é mais o negócio central do Marfrig. A empresa hoje aposta suas fichas em produtos industrializados, segmento em que a carne de frango, mais barata, é dominante. Recentemente, fechou duas plantas no sul do País, equivalentes a 20% da capacidade de produção de bovinos.

Molina descarta a venda do seu abate de bois e se mostra bastante seletivo em relação aos negócios que aceitaria vender. Os bancos sugerem várias alternativas porque inundaram os frigoríficos com dinheiro numa fase de forte crescimento do crédito no Brasil, antes da crise de 2008.

Segundo fontes de mercado, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Santander têm, juntos, cerca de R$ 5 bilhões no Marfrig. O BNDES aplicou outros R$ 3,5 bilhões, entre financiamentos e compra de participação. Hoje, o cenário mudou. Temerosos, os bancos fecharam as torneiras de dinheiro novo e o BNDES está cada vez mais reticente em assumir o ônus político de investir mais nos frigoríficos.

Bola preta. No mercado financeiro, aparecem avaliações mais severas sobre o Marfrig, especialmente por causa do alto endividamento - hoje, a dívida total da empresa supera R$ 10 bilhões. O grupo sustenta que este é um patamar administrável e que tem dinheiro para cumprir suas obrigações de curto prazo.

Ainda assim, a Raymond James apontou suas ações como a "bola preta" do mercado - uma alusão ao jogo de sinuca em que não se pode encaçapar a bola preta. Traduzindo: para a consultoria americana, é o único papel da bolsa brasileira que os investidores devem evitar a qualquer custo.

Desde o início do ano, as ações do Marfrig caíram 41% - movimento magnificado pela crise internacional e pela quebra do fundo GWI, que investiu pesado na empresa. Hoje, os títulos da dívida do Marfrig pagam juro 11% acima dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos - o mais alto de uma empresa brasileira, segundo a Bloomberg. Nas contas dos analistas, o Marfrig consome por trimestre R$ 300 milhões a R$ 600 milhões de caixa, o que eleva a alavancagem. No último trimestre, esse indicador, que mede a relação de dívida líquida e lucro antes de impostos, juros e amortizações (Ebitda), chegou a 3,9.

Relatório do Goldman Sachs aponta que, desde a abertura de capital, o Marfrig nunca teve geração de caixa positiva excluídos os investimentos. Até companhias muito rentáveis têm períodos curtos em que o indicador é negativo, por causa de concentração de investimentos. Para os especialistas, o problema é que o Marfrig só crescia, sem dar retorno. A venda do braço de logística da Keystone pode ser um sinal de que as prioridades mudaram.


"A empresa não tem problema de dívida"

Empresário nega pressão para vender parte de seu negócio e diz que só troca ativos com a BRF após ''levantamento profundo''

Apesar da alta no endividamento e da forte queda das ações do Marfrig em bolsa, o presidente do grupo, Marcos Molina, afirma que não há pressão dos bancos para que o frigorífico se desfaça de uma parcela de seus ativos. "Nunca houve um pedido para eu vender ativos."

Segundo ele, uma troca de ativos com a Brasil Foods dependerá de "levantamento profundo" sobre a saúde dos negócios da concorrente. Já os comentários da venda do braço de abate de bovinos do Marfrig para a Minerva são infundados. "Eu descarto isso."Leia os principais trechos da entrevista de Molina ao Estado:

Por que os papéis do Marfrig vêm sendo castigados na bolsa?

Desde 2007, quando as empresas dos setor fizeram o IPO, todas as ações caíram. O nosso histórico era até um pouco melhor, até o fundo GWI vender essa posição grande (no mês passado), o que impactou a nossa ação. Sem esse efeito, a nossa performance seria até boa.

Os bancos credores dizem que a dívida da empresa já preocupa.

Nossas compras tiveram uma estratégia bem definida: um mix de 50% de mercado interno e 50% de externo. Era preciso ter outras proteínas, como frango e suíno e um mix de produto in natura e industrializado. Também queríamos uma presença global. Não temos problema de dívida. Nosso caixa atualmente é equivalente a 1,61 vez a nossa dívida de curto prazo.

Mas os bancos dizem que a empresa teria de vender ativos.

Eu sou sincero. Entre todos os bancos que a gente tem relacionamento, nunca houve um pedido para eu vender ativos.

Há bancos no País que têm mais de R$ 1 bilhão no Marfrig.

Nós não divulgamos essa informação.

Houve negociação com a Gávea Investimentos para venda de uma participação no negócio de distribuição?

Estudávamos a possibilidade de separar nosso braço logístico desde o início do ano. Quando a gente comprou a Keystone nos Estados Unidos, veio junto um braço próprio de logística. Como decidimos focar no segmento proteína, vendemos esse negócio por US$ 400 milhões, para a Martin Brower.

Essa é a maior venda de ativos que vocês já fizeram?

É o maior desinvestimento que já fizemos. Quando compramos a Keystone, queríamos só a parte de proteína, mas eles não queriam vender separado.

Isso vai reduzir a dívida relativa do Marfrig, que cresceu e está em 3,9 vezes o Ebitda?

Sim, com o efeito dessa venda, que entrará em nosso caixa até o fim do ano, a relação deve cair para 3,5 vezes o Ebitda.

Outros ativos podem ser vendidos para capitalizar a empresa?

Tudo que for relacionado ao nosso negócio principal não está à venda.

É possível uma troca de ativos com a BRF, na qual o Marfrig ficaria com ativos nacionais à venda pela concorrente e daria a Quickfood, na Argentina, e Moy Park, na Europa?

A Quickfood é líder na Argentina, e a Moy Park lidera no Reino Unido. Na hora de trocar ativos, vem um monte de gente com ideias. Temos interesse nos ativos da BRF, mas temos que analisar, fazer um levantamento profundo. Não é simplesmente decidir trocar. É um processo mais demorado, para o fim do ano ou início de 2012.

Mas você descarta essa troca de ativos? Não vai mexer em Quickfood e Moy Park?

Sem conhecer os ativos da BRF, eu não troco.

Há chance de o Marfrig vender o negócio de bois para o Minerva ou para o JBS?

Não dá para comentar, é rumor de mercado. Descarto isso. Outro dia um amigo me ligou e perguntou se eu já tinha fechado negócio com o Minerva. Não faz nenhum sentido.

Você descarta totalmente a venda do abate de bois?

Não faz nenhum sentido. Para reduzir a dívida? Mas qual é a dívida do Minerva? É do mesmo tamanho da nossa.

As debêntures conversíveis em ações que o BNDES tem no Marfrig vencem em 2015. Existe alguma negociação para antecipar a conversão em ações como foi feito para o JBS?

As pessoas perguntam: se o JBS fez, porque vocês não fazem? Mas não temos nenhuma negociação nesse sentido.

Parte do mercado diz que o Marfrig pagou caro pela Seara.

A Seara foi uma aquisição estratégica, de marca e ativos importantes. Não temos dúvida de que pagamos o valor justo.

O Marfrig teria investido R$ 300 milhões para a Seara patrocinar a Copa do Mundo. Faz sentido, já que o foco é interno?

O valor não está correto, mas não abrimos por contrato de confidencialidade. O investimento da Copa é no Brasil. Começamos com a África do Sul para ganhar experiência, mas o negócio é estarmos com novas linhas de produto prontas para 2013 e 2014. Também ajuda a vender lá fora. Nossas unidades ao redor do mundo estão lançando a marca Seara.


Veículo: O Estado de S.Paulo


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