Brasil Maior não amplia planos de exportação

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A desoneração da folha de pagamentos e o Reintegra, medidas do programa Brasil Maior para incentivar vendas ao exterior, devem ter efeitos restritos na redução de custos de produção da indústria de calçados e de vestuário. Criada para reduzir a carga tributária, a desoneração deve ter efeito nulo ou, ao contrário, deve onerar ainda mais algumas empresas. Há receio de que o uso do crédito estabelecido pelo Reintegra, de 3% sobre as receitas de exportação, seja dificultado e de que seu benefício não consiga superar o efeito de um real ainda valorizado em relação ao dólar. Com pouco efeito sobre os custos de produção, as medidas, em vigor desde dezembro, ainda não devem levar a uma redução dos preços de exportação, movimento que tornaria o produto brasileiro mais competitivo.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) calcula que a desoneração da folha na verdade aumenta a carga tributária de 30% das empresas do setor. O Sintex, que reúne indústrias de tecelagem e vestuário de Blumenau, estima que 50% das empresas são prejudicadas. Com a desoneração, as empresas deixam de pagar 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários, mas passam a pagar 1,5% sobre o faturamento. A mudança de tributação está em vigor desde dezembro e é obrigatória. O setor de vestuário pede ao governo federal redução da alíquota de 1,5% para 0,8%.

A Hering diz que a medida não altera a carga tributária da empresa. "Se aumentar a relação folha/faturamento neste ano, o que é um objetivo de toda empresa, teremos aumento de carga tributária", diz Ulrich Kuhn, membro do conselho da Hering e presidente do Sintex.

Ele diz que o deslocamento da base de cálculo da contribuição previdenciária da folha de salários para o faturamento não é nem mesmo capaz de estimular novas contratações com maior facilidade. "A contribuição previdenciária é apenas um custo sobre folha. Há outras obrigações, como décimo terceiro e férias." O Reintegra, que deve reembolsar o exportador em 3% da receita de vendas ao exterior, ainda não está sendo contabilizado como redutor de custo, segundo Kuhn. As empresas, diz, só devem fazer isso a partir do momento em que o crédito for utilizado.

O crédito, porém, tende a ser pouco representativo num setor no qual a exportação tem perdido espaço no faturamento a cada ano, lembra Marcello Stewers, vice-presidente da Teka. Ele lembra que, no caso da fabricante de roupas de cama, mesa e banho, a exportação caiu de 9% do faturamento em 2010 para 7,5% no ano passado. Para 2012, a previsão é manter a tendência. Segundo Stewers, há uma expectativa de estabilidade na exportação, com probabilidade de nova queda de participação nas vendas totais. O faturamento total, porém, incluindo as vendas no mercado doméstico, devem apresentar variação positiva neste ano.

"A intenção do governo foi ótima, é um bom início, mas o plano não terá eficácia", diz Stewers, referindo-se ao Brasil Maior. Para a Teka, diz, a desoneração trará diminuição de carga tributária. O executivo não quis dizer qual o tamanho da redução, mas, segundo ele, a pressão de outros fatores, como juros e custos com logística, por exemplo, neutralizam o ganho. O crédito de 3% do Reintegra, avalia, pode ser interessante. "Mas o câmbio está com defasagem de cerca de 35%. Isso significa que 3% não fazem muita diferença."

No setor calçadista há também uma avaliação de que as medidas do Brasil Maior terão pouca ou nenhuma influência sobre as exportações. "É preciso saber se o Reintegra será cumprido", diz Carlos Roberto Cintra, diretor financeiro industrial da Democrata, indústria de calçados que mantém três fábricas no país. A regulamentação atual do crédito permite que, trimestralmente, a empresa calcule o valor do Reintegra e use o crédito para pagar tributos, sem prévia autorização da Receita Federal. Cintra teme, porém, que a compensação sofra restrições, a exemplo de outros créditos tributários concedidos pelo governo federal.

No caso da Democrata, diz Cintra, a desoneração efetivamente diminui a carga tributária. "Há redução de 10% dos custos de produção." O resultado, explica, deve-se ao fato de que 15% do faturamento da empresa é ligado à exportação. No ano passado, essa fatia caiu, explica o diretor. Em 2010, a representatividade era de 25%. A desoneração tende a beneficiar mais as indústrias que exportam porque a receita com vendas ao exterior é retirada do faturamento sobre o qual a empresa deve calcular a nova contribuição de 1,5%.

Esse efeito, porém, pode ser facilmente neutralizado pelo aumento de custo de outros fatores de produção e pela oscilação cambial. Para 2012, porém, explica o diretor, a expectativa é de crescimento moderado, de 5% no faturamento, determinado principalmente pelo mercado doméstico.

Com uma rede de lojas próprias no exterior, Leandro Mosmann, superintendente de marcas próprias da Paquetá, está mais otimista. Segundo ele as exportações da divisão de marcas próprias da empresa cresceram 28% em 2011 e devem ter elevação de 20% neste ano. Ele diz, porém, que as novas medidas não farão diferença para empresa. Para ele, a busca da diversificação, que começou há três anos, permitiu à empresa mudar o destino de seus embarques. Por isso a crise na zona do euro preocupa menos. A Europa, que era na época o mercado mais importante, não chega a 10% das vendas ao exterior. Hoje os destinos mais importantes são Oriente Médio, África, América Central e do Sul.

A desoneração da folha, no caso da divisão de marcas próprias da empresa, diz Mosmann, trará aumento de carga. Ele explica que cerca de 20% da mão de obra é terceirizada, o que torna a folha mais enxuta. "Nós lançamos marcas novas e agregamos mais valor aos calçados e, por isso, houve aumento do faturamento." Por isso, diz, a aplicação de 1,5% sobre faturamento faz a contribuição ficar mais onerosa.

O benefício do Reintegra não deve compensar o aumento de carga, explica o superintendente, porque deve ser neutralizado pelo aumento de custo. "Além de câmbio, há outras pressões sobre o custo, como o aumento de 14% no salário mínimo. Não vamos conseguir reduzir o preço de exportação. Estamos lutando para não ter que aumentar."

Rodrigo Matos, gerente de exportação da Via Uno, diz que os preços de exportação de alguns calçados em 2012 podem baixar em média 5% em relação à média de 2011. Eventuais alterações de preço, porém, estão relacionadas estritamente a um câmbio ligeiramente mais favorável e não às medidas do Brasil Maior.

Segundo Matos, cerca de 35% do faturamento da empresa tem origem nas vendas ao exterior. Na verdade houve um recuo de participação durante o ano passado porque o comércio no mercado interno avançou mais. Em 2010 a fatia das exportações era de 39%. A estimativa para 2012, diz o gerente, é manter a representatividade de 35% explorando novos mercados no leste europeu, América Latina e Ásia.



Veículo: Valor Econômico


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