Comerciantes apontam mudanças de comportamento para evitar maior comprometimento da renda.
Os efeitos do alto índice de endividamento da pessoa física, que segundo o Banco Central (BC) chegou a 7,6% em abril, bem próximo ao pico histórico de 7,7% registrado em dezembro de 2009, começa a atingir o varejo. No setor supermercadista uma grande parcela dos consumidores já troca as marcas tradicionais pelas de promoção, a fim de não comprometer ainda mais o orçamento doméstico.
Em contrapartida, as lojas de roupas e calçados acreditam que, enquanto o consumidor tiver acesso ao crédito, ele não deixará de comprar e, com isso, se endividar ainda mais. Para se proteger de calotes, cada vez menos estabelecimentos aceitam cheques como forma de pagamento.
No supermercado 2B Bom e Barato, no bairro Prado (região Oeste), o sócio-gerente Gilson de Deus Lopes percebe, desde o início deste ano, mudança no comportamento do consumidor. Para ele, desde que não haja uma perda significativa na qualidade, o comprador opta por trocar sua marca preferida, pela que está em promoção.
Ele também destaca que alguns produtos perderam espaço no carrinho, como a carne de boi, substituída aos poucos pela de frango, mais em conta. "O frango teve alta de 6% no consumo em maio, frente a abril", revela.
Parcelamento - A projeção para os próximos meses é que o consumo dos supérfluos, como chocolates, biscoitos recheados, entre outras guloseimas, também diminua. A expectativa é de queda de 3%, já a partir de junho. Mas, mesmo com as contas em atraso, Lopes frisa que o consumidor não consegue deixar de levar o cartão de crédito ao ir às compras. No supermercado, o valor é parcelado em, no máximo, duas vezes. "Mesmo tratando-se de bens de consumo imediato, muitos gostariam de dividir a conta em um número superior de parcelas", observa.
O proprietário dos Supermercados Horta e presidente da Rede Fácil, Gumercindo Horta, afirma que o endividamento impacta mais as classes A e B que, por possuírem renda maior, têm mais acesso ao crédito. Ele possui cinco supermercados voltados para as classes D e E, as de menor poder aquisitivo, nos bairros Aarão Reis (Norte), Juliana (Norte), Paulo VI (Nordeste), Ribeiro de Abreu (Nordeste) e São Gabriel (Nordeste).
As transações com cartão de crédito e débito, em seus estabelecimentos, não ultrapassam 30%. Como ele não aceita cheques há um ano e meio, devido à alta inadimplência do meio de pagamento, 70% pagam com dinheiro. Assim, ele recebe um alto fluxo de clientes nos primeiros dez dias do mês, logo após o pagamento do salário. "O nosso público mantém o hábito de fazer as compras para o mês todo. Ele não se endivida para comprar comida", garante. Horta acrescenta que, no seu caso, o que faz a diferença na hora de atrair o cliente é o preço dos produtos, independentemente da qualidade.
A rede de supermercados Coelho Diniz, com sete lojas em Governador Valadares (Vale do Rio Doce), admite que a inadimplência, em alta, pode estar relacionada ao recuo das vendas, de 3% em abril, em comparação a idêntico mês do ano passado. Mas, ele está confiante que as medidas de incentivo ao consumo, anunciadas pelo governo federal na semana passada, podem ajudar a alavancar os negócios nos próximos meses.
No primeiro trimestre, a rede registrou crescimento real de 10% em vendas. "Não creio que a inadimplência irá afetar tanto o segmento. Os bens duráveis devem ser mais atingidos", prevê. O cartão de crédito é a modalidade de pagamento preferida pelos clientes da Coelho Diniz, com 32%. Desse total, pouco menos da metade das compras, 45%, são parceladas em até três vezes. "As pessoas vêm mais ao supermercado, ao invés de abastecerem a dispensa para o mês todo. Com isso, o valor da compra cai, o que faz com que o consumidor consiga pagar tudo no débito", afirma.
Roupas e calçados - O endividamento do consumidor divide opiniões entre o setor de roupas e calçados. Na loja de roupas Betina, com três estabelecimentos na Capital, o faturamento se manteve estável em maio frente a igual período do exercício anterior.
O diretor administrativo Eduardo Farah atribui a estagnação das vendas ao endividamento. Para ele, o comprador está mais cauteloso e inseguro com relação aos efeitos que a crise internacional pode ter na economia do país. Mas, para evitar um maior recuo nos negócios, ele oferece desconto de 10% nas compras à vista e também aposta nas promoções. Em julho, por exemplo, está programada uma grande liquidação, na qual serão oferecidos descontos de até 50%.
A proprietária da Nina Bricô, no Shopping Plaza Anchieta (Centro-Sul), de acessórios e vestuário feminino, Maria Cristina Safar, não reclama. Ela revela que, neste mês, ante ao mesmo de 2011, o crescimento nas vendas foi de 30%. Contudo, ela observa que, caso não se pare de usar o cartão de crédito em excesso, os resultados podem ser bem diferentes em um futuro próximo. No estabelecimento, 80% das transações são efetuadas com o dinheiro de plástico, sendo que mais da metade financia em até seis vezes.
Ela ressalta a importância de se prestar atenção aos índices de endividamento, pois, se eles continuarem em ascensão, o crédito pode se tornar bem menos acessível, prejudicando, dessa maneira, seus rendimentos. O público da Nina Bricô pertence às classes A, B e C, mas Maria Cristina diz que as mais abastadas são as que mais se aproveitam do crédito fácil, enquanto a C prefere pagar com dinheiro. "O apelo ao consumo, devido à facilidade de acesso aos bens, está nas alturas. Mas, se continuar assim, um dia a bolha pode estourar", alerta a empresária.
O gerente da Step One do Shopping Cidade (região central), Gustavo Antonini, também afirma que o fluxo de clientes e as vendas continuam bem. Mas, ele admite que, sem o cartão de crédito parcelado, responsável por 80% das vendas, a situação seria bem diferente. "A moeda que gira o mercado hoje é o cartão de crédito, nenhuma outra é tão usada quando ela. Mesmo com desconto de 10%, no débito e no dinheiro, as pessoas preferem o dinheiro de plástico, não tem jeito. Talvez a conjuntura internacional influencie as coisas por aqui, mas, por enquanto, mesmo endividado, o consumidor não deixa de comprar", observa.
Veículo: Diário do Comércio - MG