Conhecida como grande exportadora de soja e milho, a Coamo aumenta a aposta na industrialização e busca conquistar mercado a partir das redes de médio porte
Quem vê o movimento dos caminhões que entram e saem da sede da Coamo, maior cooperativa agrícola da América Latina, percebe que os veículos não circulam mais cobertos por lonas genéricas. Pelo contrário: os caminhões estampam as quatro marcas de varejo da companhia: Primê, Sollus, Aniella e Coamo. É um sinal das mudanças que a empresa - conhecida por seu perfil exportador de commodities - está implementando e que resultaram em uma participação recorde do varejo em seu faturamento: 10% da receita de R$ 6 bilhões da Coamo em 2011 vieram do bolso do consumidor brasileiro.
A Coamo, que vê na industrialização uma alternativa para tempos de baixa dos grãos, é uma das últimas no segmento a investir pesado para agregar valor à produção dos associados. Cooperativas de proteína animal e laticínios já transformam quase 100% dos insumos que recebem. Um exemplo é a catarinense Aurora, que começou processando suínos e expandiu sua atuação para frango e leite, concorrendo com Nestlé, BRF e Marfrig. "O mercado de carcaças (animal inteiro congelado) praticamente acabou. O consumidor quer opções, e o produto tem de ser fracionado em pequenas quantidades", explica Mário Lanznaster, presidente da Aurora, que tem uma linha de 750 produtos e faturou R$ 3,8 bilhões em 2011.
Para fincar os pés no varejo, a Coamo também segue as pegadas de outras cooperativas: decidiu comer pelas bordas e investir nos supermercados de médio porte fora das principais capitais do Sudeste antes de partir para a briga nas grandes redes. É uma estratégia parecida com a da mineira Itambé, do setor de laticínios, que priorizou o Nordeste, onde disputa a liderança em leite em pó. Com orçamento apertado para investir em marketing, as cooperativas precisam que o boca a boca faça parte do trabalho. "O consumidor está mais exigente. A qualidade é a melhor arma para ganhar mercado", diz Lanznaster, da Aurora, que alterna a vice-liderança em vendas de linguiça e salsicha no País com a Seara, do Marfrig.
Passo a passo. O investimento da Coamo na industrialização já se traduziu em resultados. Em 2011, as vendas no mercado interno subiram 62% em relação a 2010 (contra 25% da média geral). E as linhas de margarina e óleo de soja da cooperativa estão entre as cinco mais vendidas do País. Ainda assim, José Aroldo Gallassini, presidente da Coamo há 37 anos, evita o clima de "oba-oba" e hesita em pisar forte demais no acelerador.
O executivo prefere crescer aos poucos para evitar maus negócios. Ele tira a lição do passado: a destilaria de álcool erguida no meio do parque fabril da cooperativa virou ruína - culpa da falta de matéria-prima para abastecê-la. "Investimos agora nos produtos que temos. É preciso foco. Incorporamos certa vez uma cooperativa que tinha um supermercado. Para nos livrarmos do estoque, tivemos que vender produtos na porta de nossa sede. Tinha até baby doll."
Para minimizar riscos, Gallassini criou um sistema: as novas linhas são criadas e passam por uma fase de testes antes que a Coamo invista pesadamente em sua produção. A cooperativa arrenda uma fábrica terceirizada e só depois, caso a aposta se mostre viável, constrói uma própria. Foi assim com óleo de soja - que inicialmente saía das fábricas da cooperativa Cocamar, de Maringá -, com o café e agora com a farinha de trigo. Dentro de 18 meses, a empresa substituirá o moinho de trigo arrendado, que processa 200 toneladas por dia, por um novo, com capacidade para 500 toneladas, um investimento de R$ 81 milhões.
Assim como a Coamo, a Aurora usou uma parceria para entrar no mercado de leite, há cinco anos - a unidade própria só foi inaugurada três anos mais tarde. Agora, vai usar um fracasso do passado para aumentar sua capacidade de processar suínos. A empresa investirá R$ 40 milhões para reabrir uma fábrica em Joaçaba (SC). A unidade, que produzia carcaças congeladas, agora fabricará derivados de suínos para mercados como China, Coreia do Sul e Japão. "Tudo mudou. Hoje é preciso agregar valor para exportar para qualquer mercado", diz Mário Lanznaster.
A cautela das cooperativas é explicada pelas limitações de capital do setor - não são raros os casos de apostas que resultaram no desaparecimento de organizações (leia abaixo). Segundo Flávio Turra, gerente técnico e econômico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), a legislação proíbe que cooperativas recebam investimentos de fundos de private equity ou captem recursos em bolsa de valores - afinal, os agricultores são os cotistas. O setor agora busca alguma mudança de regras que aumente as opções de financiamento. "Mas o nosso entendimento é que os cooperados precisam manter o controle acionário", explica Turra.
As cooperativas também têm muito a aprender quando o assunto é marketing, afirma o consultor em varejo Adalberto Viviani. Para ele, as cooperativas que chegaram primeiro às gôndolas, como Frimesa, Itambé e Aurora, levam vantagem. "Elas entendem que é preciso criar uma marca forte", diz o especialista. Para Viviani, é uma lição que "novatas"como a Coamo ainda terão de aprender. A transição da área de commodities para o varejo exige uma mudança de mentalidade: "É preciso que a empresa compreenda que valor e preço são coisas diferentes", diz.
Veículo: O Estado de S.Paulo