Classe C troca geladeira por TV a cabo e poupança

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Emergentes gastam mais em serviços; eficácia de IPI menor é posta em dúvida

Pesquisa indica mudança gradual das opções de compra da nova classe média, com prioridades diferentes SHEILA D’AMORIM FLÁVIA FOREQUE DE BRASÍLIA

Após sucessivos estímulos do governo para baratear o preço de geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupas -a chamada linha branca- e aumentar o consumo, esses produtos vêm deixando a lista de prioridades da nova classe média, mais disposta a poupar ou gastar com TV a cabo, telefonia e educação.

A renovação da redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) foi uma das primeiras medidas anunciadas para tentar impulsionar a indústria e melhorar o desempenho da economia, considerado fraco neste ano.

Como esse instrumento vem sendo usado pelo governo desde 2009, sua eficácia começa a ser questionada. Apesar de afirmarem que ainda há espaço para o consumo, especialistas creem que o ritmo de crescimento das vendas tende a ser menor, mesmo com incentivo fiscal.

Levantamentos do Data Popular, instituto com foco na nova classe média, público-alvo da medida, mostram que serviços -o que inclui o conserto de eletrodomésticos- representam a maior parte dos gastos das famílias.

O item "serviços", que representava 49,5% dos gastos efetuados em 2002 por esse público, já responde por 65%, segundo a pesquisa do Data Popular, de setembro de 2011.

O trabalho, que indica também que as despesas com a compra de produtos caíram de 50,5% para 34,8% no período, é baseado em projeções feitas a partir do cruzamento de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), ambas do IBGE.

Para especialistas, não há dúvidas de que a nova classe média continua consumindo, mas o perfil está gradualmente mudando, pois a prioridade mudou. "Quem comprou uma TV nova quer TV a cabo; a máquina precisa de manutenção", diz Renato Meirelles, dono do Data Popular.

Para o professor Luiz Alberto Machado, do Conselho Federal de Economia, o impacto inicial da redução do IPI foi absorvido e o nível elevado do emprego está garantindo renda para consumir.

"Ainda há espaço a ser explorado, mas o crescimento marginal desse consumo tende a ser cada vez menor."

Professor de economia da UnB (Universidade de Brasília), João Carlos de Oliveira diz que a redução do IPI não terá impacto "para a vida toda". Ele argumenta que o sucesso da medida também depende da oferta de crédito.

POUPANÇA

Recebendo R$ 800 mensais como diarista, Neide Batista de Moraes, 32, de Águas Lindas de Goiás, comprou um micro-ondas e uma TV nova recentemente. Ainda quer trocar a geladeira, "que está bem velha, soltando os pedaços". Mas, se recebesse dinheiro extra, diz que pouparia para comprar à vista.

"As lojas falam em redução de imposto, mas nem sempre vejo isso", diz. "Anunciam a geladeira como se estivesse com preço menor, mas acompanho e o preço não mudou. Com dinheiro na mão, tenho como negociar melhor."

Frases

"Quem comprou uma TV nova quer TV a cabo"
RENATO MEIRELLES
proprietário do Data Popular

"Ainda há espaço a ser explorado, mas o crescimento marginal desse consumo [da linha branca] tende a ser cada vez menor"
LUIZ ALBERTO MACHADO
conselheiro federal de economia

"Estão anunciando a geladeira como se estivesse com preço menor; acompanho e o preço não mudou"
NEIDE BATISTA DE MORAES
diarista

"Não vejo essa vantagem toda [na redução do IPI]. Se eu precisasse, até compraria, mas agora vou demorar um pouco"
IVONE BARALDINI
Aposentada

Indústria mantém otimismo com imposto menor DE BRASÍLIA

Apesar do traço durável dos produtos que compõem a linha branca, o surgimento de mercadorias mais modernas é apontado como um dos motivos para o interesse das famílias brasileiras em renovar fogões, geladeiras e máquinas de lavar.

"A demanda se qualifica a cada evolução tecnológica", afirma Rogério Amato, presidente da Associação Comercial de São Paulo.

Diretor da Whirlpool, que reúne marcas como Brastemp e Consul, Armando Ennis Valle Jr. acredita que ainda haja muito espaço a ser explorado no mercado brasileiro -a carência de máquinas de lavar, por exemplo, garantiria "produção para 15 anos", diz ele.

Valle Jr. aponta a redução do IPI como extremamente importante e diz que isso fez a produção aumentar 15% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. "O que imaginamos para este segundo trimestre é o que aconteceu em 2009, com a renovação da redução [do IPI]: um crescimento menor."

Para estimular a indústria, o governo anunciou no fim de março a prorrogação do corte do IPI da linha branca por mais três meses.

Para o presidente da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Eletroeletrônicos), Lourival Kiçula, a expectativa é manter o mesmo percentual de crescimento do início do ano, perto de 15%.

A redução de IPI, diz Kiçula, "sempre foi muito bem-sucedida". Ele reconhece que há uma "pressão maior" de vendas quando se anuncia o fim do benefício e, ao longo do tempo, as vendas ficam "um pouco diluídas". Na avaliação dele, num momento de economia estável, como o atual, as pessoas conseguem ter a real noção do preço e das vantagens oferecidas.

Para Nilson Oliveira, coordenador de pesquisa do Instituto Fernando Braudel, o segmento não conta com o fator "aspiracional".

"Se a pessoa não comprar o mais moderno, não tem problema, não ficará frustrada, a não ser que o produto não funcione." (SDA e FF)

Varejo deixa fugir a oportunidade, afirma instituto DE BRASÍLIA

A avaliação do Data Popular é que o setor varejista não está sabendo "vender" a redução do IPI com um apelo publicitário que crie uma sensação de urgência nos consumidores.

"Há espaço para crescer, mas a indústria não pode esperar que só o governo entre com a redução do IPI e achar que está resolvido", diz Renato Meirelles, do Data Popular.

Segundo outro levantamento do instituto, 29% das famílias têm interesse em comprar fogão neste ano, e 21%, geladeira. Só entre as famílias da nova classe média esses percentuais são de 27% e 25%, respectivamente. Apesar de não ser possível garantir que esse desejo se traduzirá em consumo, é um indicativo de que ainda há mercado a ser explorado.

Meirelles, porém, pondera a mudança gradual de prioridade das famílias. (SDA e FF)



Veículo: Folha de S. Paulo


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