Os novos rumos da BRF

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Na Perdigão, Nildemar Secches engoliu a Sadia e criou a BRF, maior empresa de alimentos do Brasil. Abilio Diniz, cotado para substituí-lo na presidência do Conselho de Administração, terá o desafio de transformá-la em líder global.

Por Ralphe MANZONI Jr.


O empresário Abilio Diniz costuma contar a seguinte história quando é questionado sobre as razões que o levaram a propor a fusão da rede varejista Pão de Açúcar com o Carrefour, em 2011, projeto que fracassou em razão da oposição de seu sócio francês Casino. Além de considerar que era um bom negócio, ele surpreende os ouvintes com uma frase de efeito. “Cansei de disputar o Campeonato Brasileiro. Agora, eu quero a Liga Mundial.” Aos 76 anos de idade, Diniz terá a chance de avançar internacionalmente, caso seu plano de assumir a presidência do conselho da BRF, maior empresa de alimentos do Brasil, se concretize.
 
É que a companhia resultante da união entre Perdigão e Sadia tem como uma de suas principais estratégias para os próximos anos a consolidação de sua posição no Exterior, atualmente responsável por 40% de sua receita. “Ela agora está pronta para avançar de forma mais acelerada no seu projeto de internacionalização”, disse à DINHEIRO Nildemar Secches, presidente do conselho de administração da BRF, que confirmou, no dia 1º de fevereiro, sua saída do board da empresa, depois de 18 anos à frente do negócio – incluindo o tempo em que comandou a Perdigão. Com o anúncio da renúncia de Secches, o caminho está aberto para Diniz, que tem ao seu lado o fundo Tarpon, dono de 8% do capital da BRF.
 
Seus obstáculos para que seja eleito na reunião de 9 de abril, quando o novo presidente do conselho da BRF será escolhido, porém, não são nada triviais. O primeiro deles é convencer os principais acionistas da BRF, como os fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil e da Petrobras – Previ e Petros, respectivamente, os dois maiores sócios da empresa. Este trabalho está a cargo do Tarpon, que está conduzindo as conversas sem a participação direta de Diniz. “As negociações estão avançando”, diz uma fonte ligada ao empresário brasileiro. Outro desafio, porém não menos importante, será dobrar o Casino, que vê conflito de interesses caso o empresário brasileiro, que é presidente do conselho do Pão de Açúcar, acumule as duas funções, pela forte relação comercial entre a rede varejista e BRF.
 
No fim de janeiro, Diniz também agiu de forma diplomática para serenar os ânimos dos envolvidos. Ligou para Secches para falar de seus planos. Na ocasião, disse que considera a BRF como um investimento e que só concordou em negociar após ter sido informado de que Secches estaria deixando o conselho da empresa. Desde então, estima-se que Diniz tenha disposição para investir até R$ 1,5 bilhão na companhia, o que lhe daria uma participação de 3,5% a 4%, dependendo do preço da ação. O dinheiro vem da venda de suas ações preferenciais do Pão de Açúcar, realizada no começo do ano. Em outra missão de paz, Diniz encontrou-se com José Antônio Fay, CEO da BRF. A ideia era “quebrar o gelo”. Segundo relatos, Fay mais ouviu do que falou.
 
APETITE O cenário na transição da BRF ainda é nebuloso e incerto. Enquanto muitos consideram a nomeação de Diniz uma barbada, outros apostam que dificilmente ele ocupará a cadeira de Secches. Fontes ouvidas por DINHEIRO alegam que Secches foi muito importante no processo de criação e consolidação da BRF, que teve apoio do governo federal. Na ocasião, a Sadia, das famílias Furlan e Fontana, combalidas por prejuízos bilionários com derivativos tóxicos, podia parar em mãos de estrangeiros. Agora, na visão dessas fontes, a companhia precisa de um comandante mais influente politicamente. “Com o tempo, Secches perdeu parte dos relacionamentos em Brasília”, diz um importante consultor, que trabalha com a BRF.
 
“Abilio atualmente tem acesso direto ao alto escalão do Planalto.” O próprio Secches, que começou a negociar sua saída em novembro do ano passado, tem dito a pessoas próximas que essa é a hora certa de sair. Apesar de rumores de que os acionistas, entre eles os fundos de pensão, não estavam satisfeitos com o desempenho da empresa, Secches tem números vistosos a apresentar. Nos 18 anos em que esteve à frente da Perdigão e depois da BRF, de acordo com ele, a receita da companhia cresceu, em média, 28% ao ano. O retorno dos acionistas, pelo mesmo critério, foi de 25%. De 2002 a 2011, por exemplo, o faturamento cresceu mais de oito vezes e o lucro aumentou quase 200 vezes.
 
“Fiquei surpreso com a maneira como está sendo conduzida essa transição”, diz um empresário de peso no setor de alimentos. “Ele praticamente dobrou o valor da BRF desde sua criação.” Em entrevista a O Estado de S. Paulo, Secches deixou claro seu mal-estar com o modo que a transição foi tratada. “A BRF ficou exposta. Eu não merecia isso.” Ao sair da BRF, Secches deixa também para o seu sucessor uma empresa cheia de superlativos e com uma posição privilegiada no Brasil e no Exterior. Ela é dona de 63 fábricas, 11 delas fora do País. Faturou R$ 25,7 bilhões em 2011 e emprega 114 mil funcionários. Além disso, é responsável por 20% do comércio mundial de aves.
 
De 32 categorias de alimentos cobertas pela consultoria Nielsen, a BRF é líder em 25 no mercado brasileiro, incluindo carnes congeladas e industrializadas, massas, pizzas e margarinas, entre outras. A BRF conseguiu manter o seu porte a despeito de se desfazer de 12 marcas, dez fábricas, oito centros de distribuição e 12 granjas, por conta do acordo realizado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para aprovar a fusão de Perdigão e Sadia, no ano passado. As marcas Perdigão e Batavo foram também suspensas em algumas regiões e em determinadas categorias. O facão do Cade significou um encolhimento de 13% de sua receita.
 
A intenção do órgão regulador era fortalecer um competidor nacional capaz de rivalizar com a BRF no Brasil. E conseguiu. O Marfrig, dono da marca Seara, comprou os ativos da BRF, por R$ 200 milhões mais a marca Paty, sinônimo de hambúrguer na Argentina, ganhando musculatura para competir no mercado nacional. “A companhia esteve focada em rearranjar seu portfólio dentro das marcas que ficaram”, disse Fay, em novembro, em uma reunião com investidores. Para combater o desaparecimento de diversas marcas das prateleiras, a BRF lançou 280 produtos nos primeiros nove meses do ano. A estratégia conseguiu evitar a queda do faturamento.
 
Tanto que a receita líquida da empresa aumentou 9,5% nos três primeiros trimestres de 2012. Em contrapartida, o lucro líquido caiu 80%, para R$ 250 milhões. A geração de caixa também foi 28,5% inferior. Os resultados do ano completo serão divulgados no dia 4 de março. “O processo de compra e fusão da Sadia com a Perdigão foi extenuante”, diz Secches. “A negociação com o Cade e o cumprimento do Termo de Compromisso de Desempenho demandaram todas as energias da empresa nos últimos meses.” Na visão de Secches, a empresa está agora pronta para a próxima fase, que é avançar internacionalmente.
 
As bases desse projeto foram construídas no ano passado, até por conta da exigência do Cade. Como, no Brasil, a BRF só pode crescer organicamente, ela foi às compras no Exterior. Em outubro, pagou US$ 36 milhões pela distribuidora Federal Foods, de Abu Dhabi. No último trimestre deste ano, deverá ficar pronta sua fábrica nos Emirados Árabes, com capacidade de produzir 60 mil toneladas de produtos processados. Outro alvo é o gigantesco mercado asiático, especialmente o chinês, onde a companhia tem uma joint venture para distribuir os produtos da Sadia e avalia a construção de uma fábrica no país. Na vizinha Argentina, adquiriu também três empresas.
 
A meta é que, em 2015, 50% da receita venha do Exterior, um crescimento de 10 pontos percentuais, comparado ao resultado atual. Daqui a três anos, Secches, que ainda faz parte dos conselhos de administração de Weg, Ultrapar, Suzano e Iochpe-Maxion, talvez tenha um único interesse no Exterior: viajar de férias. Quando surgiram os primeiros rumores de que deixaria a BRF, o executivo estava em Petra, na Jordânia. Na quarta-feira 6, pouco depois de falar com a DINHEIRO, embarcou para Miami, onde passaria o Carnaval com a família. Caberá ao seu sucessor definir a estratégia para que a BRF jogue com ainda mais vigor a liga global.
 
 
Duelo rocambolesco
 
Para sentar na cadeira de Nildemar Secches no conselho de administração da BRF, o empresário Abilio Diniz e o fundo Tarpon, seu principal aliado, não terão apenas que convencer os outros acionistas da empresa de alimentos brasileira. O Casino, com quem Diniz vem travando um duelo rocambolesco desde 2011, deve alegar conflito de interesses, caso ele acumule a nova função com a presidência do conselho do grupo Pão de Açúcar. As duas companhias mantêm forte relação comercial.
 
Estima-se que a BRF tenha aproximadamente 11% de suas receitas provenientes de vendas para o Pão de Açúcar. A rede varejista, por sua vez, concentraria 6% das suas compras na BRF. Os dois lados já estão se armando para iniciar uma guerra jurídica. Para pessoas próximas, Diniz tem dito que é fácil resolver esse dilema: ele se absterá de votar quando o assunto envolver as duas empresas. Mesmo assim, não parece um argumento capaz de dobrar o Casino. Disposição para brigar, ambos os lados já demonstraram ter.
 
 
“A BRF está pronta para avançar seu projeto de internacionalização”
 
O executivo Nildemar Secches, presidente do conselho de administração da BRF, falou à DINHEIRO:


Qual o principal desafio da BRF?
Depois de concluídas as diversas etapas do Termo de Compromisso de De­­sempenho (que pautou toda a fusão da Perdigão e Sadia) e as negociações com o Cade, a BRF agora está pronta para avançar de forma mais acelerada no seu projeto de internacionalização.
 
Qual o perfil ideal do novo presidente do conselho de administração da BRF?
Com certeza, os acionistas vão escolher um executivo com visão estratégica voltada principalmente para o comércio internacional e bastante comprometido com os princípios de governança que construímos em conjunto com os fundos acionistas.
 
Atualmente, aproximadamente 40% da receita da BRF vem do Exterior. A companhia deveria avançar ainda mais em sua estratégia internacional?
Sim, com certeza. Pelas exigências do Cade, a empresa só poderá crescer de forma orgânica no mercado interno.
 
Nesse tempo todo, desde a criação da BRF, o que o sr. considera seu principal acerto e seu principal erro no comando da empresa?
Prefiro falar do meu legado, que foi a construção de uma empresa de capital difuso e um modelo de governança pautado na ética e transparência, que fez com que a empresa atingisse o valor de mercado, em janeiro, de quase R$ 40 bilhões e se transformasse na sexta maior empresa de alimento no mundo.
 
Por que o sr. tem dito que esse é o momento certo para sair da BRF?
O processo de compra e fusão da Sadia com a Perdigão foi extenuante. A negociação com o Cade e o cumprimento do Termo de Compromisso de Desempenho demandaram todas as energias da empresa nos últimos meses. Concluída essa etapa, é o momento da chegada de um novo líder para conduzir a empresa nessa próxima fase.



Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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