A decisão de prover crédito a juro baixo para compra de móveis e eletrodomésticos pelos beneficiários do Minha Casa, Minha Vida, anunciada anteontem pela presidente Dilma Rousseff, tem implicações fiscais além da emissão de dívida pelo Tesouro Nacional para obter uma fonte de recursos.
Na mesma medida provisória que manda entregar à Caixa Econômica Federal até R$ 8 bilhões em títulos de dívida pública para bancar o programa Minha Casa Melhor, a presidente dispensa a empresa de repassar ao Tesouro a maior parte dos lucros a serem apurados em 2013 e anos subsequentes.
Como a União é dona do banco, os lucros seriam devidos ao Tesouro na forma de dividendos ou juros sobre capital próprio. Esse tipo de receita ajudou a compor o superávit primário do setor público não financeiro em 2012, ano em que a meta fiscal referenciada nesse indicador por pouco não foi descumprida. Só a Caixa contribuiu com R$ 7,7 bilhões, mais que o dobro do que pagou no ano anterior (R$ 3,68 bilhões).
Com a Medida Provisória 620, o Tesouro terá que abrir mão de até 75% do lucro líquido ajustado da Caixa. Isso para que os donos de imóveis financiados pelo principal programa habitacional do governo possam comprar TV digital, computador com acesso a internet, geladeira, fogão e móveis, entre outros produtos, financiados em até 48 meses, a juros de 5% ao ano.
Em vez de repassados ao Tesouro, os recursos ficarão com a Caixa para cobrir custos operacionais com esses financiamentos ao consumo, evitando cobrança de juro adicional para tal finalidade. A MP permite que eles sirvam ainda para cobrir risco de crédito, evitando também juro adicional para cobrir prejuízos com calote.
A dispensa vale "enquanto durarem as operações" do Minha Casa, Minha Vida, que são de longo prazo. Caberá ao ministro da Fazenda definir que parte do lucro ficará com a Caixa para bancar custos do banco com o Minha Casa Melhor.
A Caixa não precisará, em princípio, de recursos a título de equalização de taxas de juros. Isso porque os R$ 8 bilhões emprestados pela União, fonte de recursos dos financiamentos, serão remunerados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente 5% ao ano, o mesmo percentual fixado pelo Conselho Monetário Nacional para aplicação do dinheiro pelo banco no Minha Casa Melhor.
A MP permite, alternativamente à taxa de longo prazo, que o Tesouro cobre da Caixa remuneração "variável" ou ainda "compatível com o custo de captação" dos recursos (títulos de dívida). Mas o Ministério da Fazenda já informou, anteontem à noite, em nota, que será a TJLP.
O fato de a operação estar equalizada sob o ponto de vista da Caixa (juro do passivo igual ao do ativo) não significa que o Tesouro não terá outros custos além daqueles a serem cobertos com retenção de lucro pelo banco. Na nota de anteontem, o ministério já tinha admitido que haverá custo financeiro em decorrência da diferença entre TJLP e taxas de juros de mercado, sinalizando, assim, que entregará à Caixa títulos com remuneração de mercado.
Ao fazer empréstimo ao banco, em vez de aumento de capital, o governo mais uma vez evita que o aumento da dívida tenha impacto no resultado primário das contas públicas. Não há impacto, porque, no caso dos bancos, o aporte ao mesmo tempo eleva ativos financeiros que abatem a dívida bruta do governo na hora de calcular a dívida líquida, com base na qual o Banco Central apura o resultado primário.
O empréstimo terá características especiais, como ser conversível em capital e não ter prazo de vencimento, para que a Caixa possa considerá-lo como parte do seu patrimônio de referência, com base no qual são definidos muitos limites operacionais, entre eles o de volume de crédito. O anúncio do Minha Casa Melhor veio num momento em que, numa contradição, o governo federal retomou promessas de austeridade fiscal.
Veículo: Valor Econômico