Havaianas no açougue e Coca-Cola no saquinho

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O português José Silvestre, 38 anos, sócio da Kikarnes - uma pequena rede de três açougues na capital fluminense - está preocupado com a concorrência. Desde o fim de 2008, quando uma nova loja se instalou em Ipanema, nas proximidades do seu estabelecimento, a venda caiu 50%. O novo rival, inclusive, chegou a ser fornecedor da Kikarnes no passado. "Ele cresceu o olho vendo o tamanho das compras que fazíamos", diz Silvestre, que adquiria 100 caixas de uma só vez, cada uma com 12 pares. Mas não são pares de coxas de frango, de peru ou de qualquer outro corte de carne. São pares de sandálias Havaianas, um produto que hoje representa 15% do faturamento da Kikarnes, mas que já chegou a significar 30%. Silvestre aproveitou o fluxo de consumidores a caminho da praia, a três quarteirões da loja, para começar a oferecer os chinelos de borracha, há cinco anos. O negócio deu tão certo que só às vésperas do reveillón de 2008, quando ainda reinava praticamente sozinho no pedaço, vendeu 30 mil pares.

 

As "legítimas" ficam expostas na iminência da calçada, tomando conta de toda a fachada da loja. Hoje, sua venda caiu para 2,5 mil pares ao mês mas, ainda assim, incomoda os revendedores de calçados da região, que reclamam da concorrência com o açougue. "Entre os cerca de 60 mil pontos de venda de Havaianas no país, nenhum é tão inusitado", diz a diretora de negócios sandálias da Alpargatas, Carla Schmitzberger, que conhece pessoalmente o local.

 

Assim como Silvestre, pequenos comerciantes de diferentes pontos do país encontram soluções criativas para aumentar seu faturamento. Sem apostar em campanhas de marketing ousadas ou pagar caro pela opinião de especialistas, esses varejistas lançam mão da única estratégia que se mostra infalível para o varejo: ouvir o consumidor. Quando se trata de um novo produto, começam testando a aceitação aos poucos, a partir de pedidos de um ou outro cliente. Se o público tem uma necessidade difícil de bancar, improvisam.

 

É o caso do Recanto do Mixtão, no centro de Manaus. A lanchonete, instalada há 14 anos em uma área de alto fluxo, perto de escolas, órgãos do governo e da sede do Grupo Simões (fabricante e distribuidor da Coca-Cola na capital amazonense), passou a oferecer o refrigerante mais popular do mundo em uma nova apresentação: saquinhos de plástico, aqueles usados para embalar frutas e verduras em supermercados. "Às vezes a pessoa está apressada para fazer um serviço e diz: 'Bota num saquinho aí, que eu vou sair'", conta o dono do Mixtão, Jackson Ferreira Batista, 42 anos, referindo-se ao conteúdo da garrafinha de vidro de 290 ml da Coca-Cola.

 

E por que o cliente não opta pela versão em lata? "Se não estão com o dinheiro certo, de R$ 2,50, para pagar pela latinha, levam no saquinho mesmo, que custa R$ 1,50", explica Batista, que não usa o copo de plástico por economia. "Pago na faixa de R$ 1,50 por um cento de saquinho e R$ 2 pelo pacote de canudo. Já uma cartela de 50 copos, com tampinha, sai em torno de R$ 7,50", diz ele, mostrando o preço de oferecer comodidade à clientela. A prática traz alguns inconvenientes. "Várias vezes peguei saquinho furado", conta Batista, que faz questão, no entanto, de agraciar os consumidores fiéis do Mixtão com o copo de plástico para viagem. "Para o pessoal que é mais cliente ofereço mais um pouco de conforto", afirma o comerciante, que tem um terço do seu faturamento proveniente da Coca.

 

A fabricante conhece a prática, comum em Manaus, do refrigerante no saquinho. "Mas esse costume tem se tornado cada vez menos comum, mesmo porque procuramos oferecer soluções a um preço mais competitivo", diz Luiz Fernando Lotito, gerente de marketing da Coca-Cola para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Lotito afirma que a experiência única de Manaus inspirou a empresa a lançar, há dois anos, uma latinha de 250 ml (menor que a tradicional, de 350 ml), que custa ao consumidor o mesmo que a garrafinha, em torno de R$ 1,50. Na capital amazonense, a novidade chegou há um ano mas, ainda assim, não vende tanto quanto a versão retornável, que oferece 40 ml mais.

 

Para Leonardo Lanzetta, sócio da agência Dia Comunicação, especializada em pontos de venda, o que faz o sucesso desses pequenos comerciantes é a sintonia com as necessidades do consumidor. "Algo que às vezes falta para os grandes varejistas, que às vezes saem em busca de soluções sofisticadas que simplesmente não funcionam", afirma Lanzetta, que responde pela comunicação da Coca-Cola em cerca de um milhão de pontos de venda no país. José Augusto Domingues, professor da ESPM, concorda. "Não foi preciso que nenhum desses comerciantes estudasse em Harvard ou até mesmo soubesse o que é marketing: bastou adaptar o mix ao gosto ou à necessidade do cliente, que corresponde com a fidelidade".

 

Por ser uma loja exclusiva de Havaianas, a concorrente da Kikarnes em Ipanema, na rua Farme de Amoedo, tem acesso a modelos da coleção que vão para exportação. Silvestre, que transformou a Kikarnes em uma mini-mercearia, vendendo de hortifrutis a produtos de limpeza, não se conforma e quer abrir outra loja, também na Visconde de Pirajá, dessa vez só para Havaianas e "outros produtos que gringo gosta".
 

 

Veículo: Valor Econômico


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