Pequenos vendem direto aos mercados

Leia em 6min 10s

Ter a garantia de que a produção será vendida, o que permite planejar investimentos, eliminar a figura do atravessador e obter mais lucro. Essas são algumas das vantagens que um pequeno ou médio agricultor leva ao fornecer a produção aos supermercados. O produtor Valdir Escucato cultiva limões em Mogi-Mirim (SP). Na década de 1980 ele destinava a produção para um intermediário. "Um dia, fazendo compras, vi meus limões no mercado a um preço muito maior, o que me deu noção do quanto eu perdia." Ele decidiu então procurar o responsável pelas compras do mercado, para fornecer diretamente. A conversa foi produtiva e ele logo passou a fornecer para duas lojas. Hoje, a propriedade passou de 8 mil pés de limão para 250 mil, em 310 hectares. Ao todo, Escucato entrega para a rede 6 mil quilos/dia, em 90 lojas. "Isso entre agosto e novembro. No resto do ano são 10 mil quilos/dia."

 

Escucato integra um programa do Carrefour, que visa a desenvolver pequenos e médios produtores, auxiliando-os no cumprimento de uma série de regras necessárias para fornecer para uma grande rede. São normas que preveem desde boas práticas de produção, como o rígido controle sobre o uso de defensivos agrícolas e a rastreabilidade do que é cultivado, até questões sociais e trabalhistas, como a obrigatoriedade do uso de equipamentos de proteção individual e de registrar todos os funcionários. "É esse incentivo à profissionalização que permite ao produtor crescer e atingir novos mercados. Além, é claro, de melhorar a qualidade da produção", diz o gerente nacional de Produtos com Garantia de Origem do Carrefour, Daniel Pereira. Ele diz que, ao se tornar um fornecedor, o produtor passa por auditoria, para levantar possíveis inconformidades.

 

"Feita essa identificação nós damos suporte técnico para que eles possam evoluir nos seus procedimentos." Pereira diz que a empresa mantém relação direta com 13% dos fornecedores de frutas, verduras e legumes, e que a meta para 2010 é elevar o índice para 15%. "A intenção é trabalhar assim com a maioria dos fornecedores, pois nos permite ter controle maior sobre a qualidade do produto e nossos parceiros lucram mais", diz.

 

ORGÂNICOS

 

O mesmo faz a rede Pão de Açúcar, que trabalha com o desenvolvimento de pequenos agricultores para a linha de produtos orgânicos. A empresa tem uma equipe de técnicos, agrônomos e zootecnistas que dão suporte para os produtores. "A intenção é desmistificar o estigma de vilão atribuído às grandes redes", diz a gerente de Orgânicos da empresa, Sandra Sabóia. Ela diz que o crescimento anual na quantidade de fornecedores de pequeno porte foi em média de 40% nos últimos anos. "Temos produtores que cultivam em áreas inferiores a 2 hectares. Não exigimos volume, apenas constância. Por isso ajudamos a fazer um planejamento. À medida que ele aumenta sua produção nós aumentamos as compras." Foi o que ocorreu com a Cio da Terra, que reúne 50 produtores orgânicos em Itatiba (SP). O proprietário da empresa, Zuko De Luca, diz que a Cio da Terra nasceu como fornecedora do Pão de Açúcar há cinco anos. Desde lá praticamente quintuplicou de tamanho e já fornece para duas outras redes. "Saímos de um faturamento de R$ 8 mil para R$ 350 mil por mês e de 3 para 50 funcionários."

 

A rede Covabra, presente em 20 municípios do interior, tem trabalho semelhante, diz o gerente de Compras João Leandro Rodrigues. "Fazemos levantamentos periódicos sobre as condições de produção dos pequenos fornecedores e apontamos os pontos a serem desenvolvidos." O gerente diz que a parceria evita que o produtor fique nas mãos de atravessadores. "Ele passa a ter garantia de que a produção será comprada, o que reduz riscos e melhora seu planejamento."

 

OBRIGAÇÕES

 

Rastreabilidade: O alimento é controlado e rastreado desde os tratos culturais até a árvore ou talhão do qual ele foi colhido.

 

Condições trabalhistas: Todos os trabalhadores devem ter carteira assinada e é obrigatório o uso de EPIs e a instalação de banheiros na lavoura e também de refeitórios próximos.

 

Controle de defensivos: O uso de agrotóxicos é monitorado e as medições dos índices de resíduos nos alimentos são rotineiras.

 

Ideal é por na balança gastos e ganhos futuros

 

O proprietário da Doni Frutas, que fornece pêssegos e ameixas para a rede Covabra, Donizete de Oliveira, destaca que a maior vantagem de fornecer para uma rede varejista está nas exigências que se impõem ao produtor. "Isso nos leva a passar a pensar como empresário agrícola e isso é vital para o negócio prosperar", diz. Hoje, em Jarinu (SP), Oliveira produz, em 25 hectares, 350 toneladas de frutas.

 

Embora para um pequeno ou médio produtor haja vantagens em ser fornecedor de uma grande rede, é preciso por na balança se os ganhos (como a garantia de compra da produção e o fim das perdas com intermediários) vão cobrir o investimento e o trabalho extra. É o que diz a pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP) Margareth Boteon. "Toda forma de produção com retorno garantido é ótima. Mas é preciso avaliar se depois de cobrir todas as exigências ainda haverá lucro", diz.

 

Oliveira, da Doni Frutas, concorda: "Somente para fazer a rastreabilidade dos frutos eu tive que contratar mais pessoas. Isso é custo", diz. Ainda assim, ele diz que no fim das contas o saldo é positivo.

 

Já para o empresário Romeu Matos Leite, proprietário da Vila Yamaguishi, em Jaguariúna (SP), que produz hortaliças, frutas e ovos orgânicos, a avaliação não é a mesma. Há cinco anos a empresa decidiu deixar de fornecer para duas grandes cadeias varejistas. "A relação era desigual. Como os supermercados detêm o poder econômico ficava difícil repassar aumentos do custo da produção, o que sacrificava os lucros", conta. "Além disso, uma das redes ainda nos descontava o descarte. Ou seja, os produtos entregues mas que não foram vendidos e perdiam a validade", diz Leite. "O pior é que nós nem tínhamos controle sobre que realmente deixou de ser vendido."

 

Em sua defesa, os supermercados dizem que estão revendo suas políticas com o intuito de melhorar essa relação. "Temos tentado atuar de forma mais sustentável. Afinal, ao espremer demais os fornecedores corremos o risco de ficar sem produto na prateleira", diz o gerente nacional de produtos com garantia de origem do Carrefour, Daniel Pereira.

 

O proprietário da Cio da Terra, Zuko De Luca, que atua na área desde a década de 1990, observa no entanto uma tendência de mudança dessa relação em favor dos produtores. "Hoje as coisas já melhoraram bastante. Não é mais uma relação que mata o produtor. A questão do descarte, por exemplo, é algo que, no nosso caso, não existe mais." Oliveira, da Doni Frutas, vê a questão da mesma forma. Porém ainda crê que o trabalho do produtor está longe de ser tratado e valorizado de forma adequada pelas grandes redes.

 


Veículo: O Estado de S.Paulo


Veja também

Sorveteria de tapete vermelho

Depois do sabonete Lux, é o picolé Magnum que quer recuperar o desejo do consumidor de se sentir uma estre...

Veja mais
Portáteis com mais presença

O brasileiro, acostumado com as primeiras posições em esportes como o futebol, costuma desdenhar até...

Veja mais
Geração Y: adaptações na realidade do pós-crise

Que a crise criou um novo cenário mundial nos negócios e nas empresas todos já sabem. Mas, o que po...

Veja mais
Trigo: leilões estimulam venda interna

Último leilão de PEP arrematou 88% da oferta destinada ao Norte e Nordeste e ao mercado externo   O...

Veja mais
Ceasa de Campinas adota caixas plásticas

Intenção é substituir totalmente o uso das tradicionais caixas de[br]madeira, consideradas anti-hig...

Veja mais
O homem de 2 bilhões de dólares: Brasil é segundo maior mercado de cosméticos masculinos do mundo

A vaidade masculina está superando o preconceito, mostra reportagem de Fabiana Ribeiro publicada na ediç&a...

Veja mais
Natal do presentão

Pesquisa do comércio garante: consumidor está tão otimista que este ano a árvore vai ter mai...

Veja mais
Leader busca fabricante para marca própria

Varejo: Rede que tem 45 lojas e fatura R$ 778 milhões vai aplicar R$ 20 milhões para abrir seis lojas em 2...

Veja mais
Unilever investe R$ 24 milhões em desodorante Dove para homens

Há homens que compram o desodorante Dove mas jogam fora a tampinha cor-de-rosa, por considerarem que a mesma fere...

Veja mais