Eletros: Isenção fiscal pode criar desigualdade

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Nokia é única fabricante em Manaus com 88% de benefício sobre insumos

 

Um benefício tributário de peso concedido nos primórdios da telefonia celular no Brasil pode, agora, provocar um cenário de concorrência desigual entre os fabricantes na Zona Franca de Manaus. Hoje, a Nokia é a única empresa que produz os aparelhos no Amazonas em grande escala, mas a Samsung e a CCE anunciaram neste ano que, em breve, darão início à produção no local. Essas companhias, no entanto, iniciam suas atividades com uma imensa desvantagem fiscal em relação à concorrente finlandesa. Enquanto a Nokia importa insumos com uma redução de 88% no Imposto de Importação, a Samsung e a CCE terão o tributo calculado com base em um coeficiente que resultará em um valor invariavelmente maior.

 

O iminente surgimento de dois regimes tributários diversos para os fabricantes de celulares na Zona Franca de Manaus remonta de uma disputa tributária entre o setor e o fisco, que se tornou popular no fim da década de 1990, durante a migração da tecnologia analógica para a digital (veja gráfico). Os aparelhos com a antiga tecnologia tiveram seu Processo Produtivo Básico (PPB) aprovado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) com vantagens fiscais de IPI e ICMS e uma redução de 88% na alíquota de importação de peças destinadas aos celulares. A regra havia sido estabelecida na criação da Zona Franca e regulamentada pela Lei nº 8.387, que ditou as regras para a aprovação de PPB pela Suframa, diferenciando os benefícios concedidos a bens de informática e aos demais produtos.

 

O estopim da discórdia entre o fisco e as empresas surgiu em 1993, quando governo e Suframa divergiram na forma de tratar os benefícios destinados à produção de celulares. Enquanto uma portaria ministerial classificou os digitais, ainda inexistentes no Brasil, como bens de informática aplicados às telecomunicações, a Suframa não fez essa diferenciação e aprovou o PPB da Gradiente para a produção de aparelhos analógicos sem detalhar a tecnologia.

 

O "PPB genérico" da Gradiente aprovado pela Suframa produziu controvérsias apenas a partir de 1998, quando a Nokia associou-se à Gradiente na NG Industrial para produzir o primeiro celular digital do Brasil. Na época, a Suframa permitiu a transferência dos benefícios que a brasileira mantinha na produção de analógicos para a importação de insumos destinados aos digitais pela empresa sucessora, a NG. O fisco se opôs à medida e passou a barrar a entrada de importações cujo imposto era pago com o desconto de 88%. A Nokia recorreu à Justiça em busca da liberação das mercadorias e obteve liminares. Posteriormente, uma decisão de mérito da primeira instância da Justiça Federal garantiu o benefício.

 

Foi o início de uma batalha judicial que até hoje não foi encerrada no Poder Judiciário e que envolveu também a Samsung - além dela e da Nokia, na época a Zona Franca ainda contava com a presenta da Semp Toshiba e Siemens. A Samsung ingressou na Justiça argumentando que, com a decisão dada à Nokia, passou a concorrer em condições desiguais, pois recolhia o Imposto de Importação sem o desconto de 88%. Da mesma forma que a finlandesa, a coreana conseguiu uma liminar e, mais tarde, uma decisão de mérito da primeira instância da Justiça Federal.

 

Com o decorrer do tempo e a competição pelo mercado algumas empresas desapareceram e outras migraram para São Paulo, atraídas por alíquotas de ICMS mais vantajosas. A unidade de celulares da alemã Siemens foi vendida à tailandesa BenQ em 2006, incluindo no pacote a fábrica instalada em Manaus. No ano seguinte, sem encontrar um investidor, a BenQ foi liquidada, levando junto a subsidiária brasileira. A Samsung deixou a Zona Franca em 2004 e desembarcou em Campinas, no interior de São Paulo, para destinar a fábrica em Manaus à produção de linha branca. A Semp Toshiba se mantém na região, mas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), produz hoje menos de 1% do total de 62 milhões aparelhos fabricados anualmente no país. As outras empresas do setor no Brasil - Motorola, LG e Sony Ericsson - estão instaladas no interior paulista.

 

A Nokia, no entanto, permaneceu em Manaus e até hoje importa insumos com a redução de 88% no Imposto de Importação, graças à sentença que obteve em 2001. A decisão foi contestada pelo fisco no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, mas desde 2002 está abandonada em alguma das abarrotadas prateleiras de processos da corte, com sede em Brasília. Agora, com a retomada do interesse dos fabricantes de celulares pela Zona Franca, a disputa pode sair do ostracismo em que se encontra desde o início dos anos 2000.

 

Samsung e CCE anunciaram, recentemente, que iniciarão a produção de celulares na Zona Franca. E, segundo informações da assessoria de imprensa da Suframa, outras três empresas do setor já têm projetos aprovados: Visium, Superior e Elcoteq. A CCE, que coloca o primeiro lote de celulares importados nas lojas brasileiras neste Natal, pretende iniciar a produção de modelos de baixo custo no país no próximo ano. A Samsung retorna a Manaus no fim desde ano, instalada no local que até janeiro era sede da Samsung SDI, empresa do mesmo grupo coreano que fabricava cinescópios e que interrompeu suas atividades.

 

De acordo com Benjamin Sicsú, vice-presidente de novos negócios da Samsung, a empresa já teve seu PPB aprovado pela Suframa - sem a redução de 88% no Imposto de Importação. "Na época, decidimos sair de Manaus porque o valor da disputa judicial começou a ficar grande", diz. Por tratar-se de uma contingência, a quantia, explica, precisa ser provisionada no balanço, o que reduz a remuneração dos acionistas. Sicsú diz que, pela diferença no Imposto de Importação recolhido pela concorrente Nokia, a Samsung produzirá cerca de 2 milhões de celulares, divididos em dois modelos de baixo custo, ao menos inicialmente. Por serem mais simples, esses aparelhos têm menos peças importadas, reduzindo o tributo a ser pago. "Acreditamos que o governo vai retomar essa discussão e resolver o problema", diz o executivo. "Mas não vamos à Justiça. A Samsung gosta de ganhar mercado, e não ações judiciais."

 

Especialistas que acompanham o setor afirmam que a diferença no Imposto de Importação pago afeta de modo significativo o custo de produção de celulares, pois em alguns casos os insumos importados representam 90% das peças. Estima-se que a economia obtida pela Nokia com o benefício desde 2001, quando obteve a decisão da Justiça, foi de cerca de R$ 1,8 bilhão até hoje. Mas especialistas também afirmam que as vantagens fiscais oferecidas por São Paulo para as indústrias instaladas no Estado "neutralizam" a vantagem da Nokia.

 

A finlandesa compartilha dessa opinião. Luiz Carneiro, diretor de relações governamentais da Nokia, afirma que os celulares produzidos em Manaus pagam 18% de ICMS quando entram no mercado paulista, ao passo que os produzidos dentro das fronteiras do Estado recolhem apenas 12%. "São Paulo é o único Estado em que não somos líderes de mercado", afirma. Ele diz que, pelo fato de a redução no Imposto de Importação estar em discussão judicial, não pode falar sobre o assunto, limitando-se a informar, por meio de nota enviada ao Valor, que "os benefícios fiscais concedidos caracterizam isenções onerosas geradoras de direito adquirido, não passíveis de revogação por força da Constituição e do Código Tributário Nacional". Segundo ele, no entanto, a manutenção ou não dessa condição não altera os planos da empresa, que tem uma história de 13 anos em Manaus. "A Nokia não é como as outras, que quando mudam os benefícios fiscais vão embora."

 

Carneiro diz que, pelo fato de a redução no Imposto de Importação estar em discussão judicial, não pode falar sobre o assunto, limitando-se a informar, por meio de nota enviada ao Valor, que "os benefícios fiscais concedidos caracterizam isenções onerosas geradoras de direito adquirido, não passíveis de revogação por força da Constituição e do Código Tributário Nacional". Procurada pelo Valor, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que defende o fisco federal em disputas judiciais, não retornou as ligações até o fechamento desta edição.

 


Veículo:Valor Econômico


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