Com a crise, a estética latina, que vende humor e otimismo, ameaça o reinado do pragmatismo irônico de americanos e ingleses
Para apresentar a proposta de campanha que concorreria à conquista da conta global do xampu anticaspa Head & Shoulders, o publicitário colombiano Juan Carlos Ortiz não se intimidou e pôs uma carreta estacionada bem em frente ao escritório da Procter & Gamble em Londres.
"Esse tipo de iniciativa passa pela cabeça de latinos, mas jamais ocorreria a britânicos ou americanos", diz Ortiz, hoje presidente da DDB Latina.
Tanto é verdade que a agência que disputava com ele a conta - e que tinha preparado sete propostas para a comunicação da marca -, levou a pior. Não pela qualidade do material, mas por fazer a apresentação nos padrões usuais das reuniões de negócios.
"Nós tínhamos uma única proposta e, com ela, queríamos demonstrar que, para falar de cabelos com caspa, era bom apreciar o couro cabeludo do alto. Então, nos levantamos e pedimos ao staff da P&G que fosse à janela. Um tanto quanto assustados, eles foram e, depois de verem a apresentação na carroceria do caminhão, nos receberam com palmas ", relembra Ortiz. O uso do inusitado recurso funcionou.
"A cultura latina é mais espontânea, menos marcada por processos, como a dos anglo-saxões que sempre dominaram esse negócio de fazer propaganda. A cultura latina é mais flexível na hora da crise, se adapta melhor aos dissabores das perdas e não abandona o otimismo. Nem teria por quê: somos filhos da crise! Temos doutorado no tema", brinca Ortiz.
Festivais. A presença latina em festivais publicitários, antes predominantemente ocupados por ingleses e americanos - reconhecidos "pais" do marketing do consumo - é crescente.
No maior evento do meio, o Cannes Lions (que acontece há 60 anos na França), brasileiros e argentinos passaram a rivalizar em busca dos troféus mais cobiçados. Ao mesmo tempo, o número de profissionais latinos trabalhando em agências mundo afora se multiplicou nos últimos três anos. O argumento para essas contratações tem sido a busca de um frescor de linguagem no atual cenário, que se mostra sombrio para americanos e europeus.
As grandes redes de agências globais estão reorganizando essa distribuição. Em geral, elas dividem suas operações em blocos: EUA e Europa surgem em primeiro lugar, seguidos por Japão e Ásia. No "resto", ficam América Latina e África. Em 2008, por exemplo, a DDB criou a sua divisão DDB Latina, que engloba o mercado hispânico nos EUA - concentra consumidores de Miami, São Francisco e Nova York -, e ainda a Espanha. Portugal também deve ser incluído na divisão.
Assim como a DDB, mas com configurações diferentes, as redes Ogilvy, Leo Burnett e Young & Rubicam criaram seus braços latinos.
É a economia, estúpido. Ortiz, que foi presidente da Leo Burnett USA e o primeiro latino-americano a comandar uma rede de agências nos EUA, diz que nunca viu nada similar em sua carreira em termos de tratamento e interesse pelo "jeito latino de ser". E, para ele, a economia tem grande responsabilidade por essa mudança de olhar.
Morando com a família em Miami, de onde comanda toda a rede latina da DDB, Ortiz sabe que a relevância está diretamente relacionada à capacidade de gerar receita. No caso da rede global da DDB, a divisão sob sua gestão foi capaz de crescer 23% no ano terminado em outubro, contra 4% do bloco formado por Europa e EUA e 16% dos países asiáticos (aí contabilizada a tão incensada China).
"Essa crise está provocando uma mudança de mentalidade", acredita ele. "Nos últimos 70 anos, os americanos não experimentaram nada similar ao que estão vivendo agora. Isso faz com que aceitem melhor a maneira de outros povos interpretar o mundo".
O empolgado presidente da DDB Latina não está sozinho nessa tarefa. São vários os defensores do jeito latino de fazer propaganda. Na semana passada, alguns dos maiores nomes da latinidade na propaganda mundial estiveram reunidos em Buenos Aires, durante a realização da 14ª edição do Festival Internacional El Ojo.
O argentino Fernando Vega Olmos, presidente global de criação da JWT, se declara cansado da obsessiva preocupação com a aplicação de recursos tecnológicos em detrimento da arte de contar uma boa história e, com isso, cativar as pessoas e gerar valor para as marcas.
"Sabemos envolver pessoas como ninguém. Somos otimistas, positivos e afetivos", diz Olmos. "Os ingleses são irônicos, o que nem sempre funciona num cenário de crise como o que estamos vivendo. Já os americanos são pragmáticos. Os consumidores estão carentes de paixão, o que é uma oportunidade para os latinos".
A volta da emoção à publicidade com sotaque latino foi partilhada por quase todos, inclusive os brasileiros que presidiram júris no El Ojo, caso de Anselmo Ramos, da agência Ogilvy Brasil, Fernando Campos, da Santa Clara, e Luciano Deos, da GAD Design.
Veículo: O Estado de S.Paulo