Estimativa da indústria mostra que ausência de trabalhadores responde por 25% das perdas nas fábricas. Na construção civil, o absenteísmo triplicou em apenas dois anos
O mercado de trabalho aquecido e a escassez de mão de obra estão alimentando a indústria do chamado absenteísmo ou das faltas ao trabalho, que freia a produção e explode como uma bomba nos custos das empresas brasileiras. No país, a cada R$ 100 que se perde na produção, R$ 25 são atribuídos às faltas ao trabalho, segundo estimativas do Serviço Social da Indústria (Sesi) nacional. A queixa de empresários é que nos últimos cinco anos as ausências têm se tornado cada vez mais comuns nas empresas. E muitas vezes a ausência é justificada com atestados médicos falsos, o que agrava o problema.
O custo para o país do não comparecimento ao trabalho não é medido pelas estatísticas oficiais, mas como aponta Fernando Coelho, gerente executivo de saúde do Sesi Nacional, os últimos números disponíveis que analisam o afastamento pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) dão uma ideia de como o problema merece ser melhor acompanhado por toda a cadeia, desde a fiscalização pública, passando pelas empresas até os trabalhadores.
Os dados do INSS mostram que a licença médica por mais de 15 dias, quando convertida em dias de trabalho, corresponde a uma razão de quatro faltas por ano por trabalhador da indústria. A soma, considerando o total de trabalhadores no setor e as horas trabalhadas, surpreende e assusta: o país perde perto de 35,6 milhões de dias por ano. Isso sem considerar as faltas, justificadas ou não, de até duas semanas, que não entram nessa conta.
Em setores da economia como a construção civil, o “absenteísmo” chega ao maior percentual da década, variando de 8% até 12%, um golpe na produção. “Haja planejamento, engenharia e administração para lidar com um percentual de faltas/mês que na média chega a 10%”, comenta Bruno Vinícius Magalhães, vice-presidente de Política, Relações Trabalhistas e Recursos Humanos do Sinduscon-MG (Sindicato da Indústria da Construção Civil). Magalhães ressalta que apesar de ainda não existirem estatísticas refinadas sobre a falta ao trabalho, esse é um ponto que o setor já tem atacado e planeja acompanhar de perto, devido ao surpreendente crescimento observado nos últimos dois anos. “Antes (há dois anos) esse índice era de aproximadamente 3%.”
Presença premiada Empresas de Minas estão premiando trabalhadores que não faltam ao trabalho com cestas básicas e gratificações em dinheiro no fim da semana ou no fim do mês. A estratégia não tem sortido 100% o efeito esperado, mas segundo empresários é uma forma de estimular o trabalhador a comparecer. Este é o caso da empresária Mara Fróis, da empresa Green Pet. Ela atua no setor de reciclagem e tem cerca de 45 funcionários entre as usinas de Belo Horizonte e Contagem. “Já cheguei a perder 30% da produção devido ao desfalque no quadro de funcionários. Em vez de 20 toneladas, já teve semana de a produção cair para 14 toneladas na indústria”, afirma.
No contra-ataque, a empresária diz que o funcionário que passa um mês inteiro sem faltas recebe uma cesta básica, R$ 100 em dinheiro e assim que atinge sua meta de trabalho do dia é dispensado, chegando a ganhar mais de duas horas em seu dia de produção. Segundo Fróis, ainda assim o absenteísmo é um desafio. “Principalmente nas segundas-feiras”, pondera.
Motivação melhora a frequência
Especialista em relações do trabalho e negociação, o professor João Bonomo alerta que na maior parte das vezes a falta ao trabalho está relacionado a questões motivacionais. O especialista afirma que em grande parte dos casos um simples ajuste de pontos, como a cobertura social, pode melhorar a motivação e a frequência ao trabalho. Antenado nas questões atuais, o professor ressalta que muitas vezes o trabalhador não sabe como argumentar. “Existe um mercado de atestados médicos por aí. Muitas vezes vale mais ir ao Centro, fazer a compra do documento e pegar um bico neste dia do que conversar.”
Bonomo define a ação como “autofágica”. “Não é ilegítimo que o trabalhador queira acumular uma renda maior, mas a longo prazo ele está destruindo o seu mercado quando usa de práticas como a falta.” Por outro lado, ele lembra que é papel das empresas estarem atentas a questões que mantenham o trabalhador mais disposto para desempenhar suas funções.
Cristiano da Matta Machado, presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, alerta que o adoecimento está muito alto entre a população e aponta que as empresas, em muitos casos, negligenciam a saúde no trabalhador. “Cumprem apenas o que está na legislação.” Ele explica que o excesso de trabalho em turnos longos acaba sendo um dos responsáveis pelo afastamento por doenças.
Bruno Magalhães, do Sinduscon, aponta que a mesma estratégia tem sido usada nos canteiros. Mas a atitude não está só na indústria, ela chega também ao comércio e até aos domicílios. Bruno Falcci, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL-BH), diz que no comércio o problema é comum a grandes e pequenos empresários e programas de bonificação são armas usadas no setor. A dona de casa Ana Paula Silva afirma que implementou em sua casa um programa de premiação. “Como nossa empregada doméstica é uma boa profissional mas falta muito, resolvemos que no fim do mês se ela não faltar leva um bônus no salário, previamente combinado. A medida tem resolvido um pouco o problema.”
Atestados falsos vendidos na rua
Documento irregular comprado por R$ 40 pelo EM mostra existência de esquema para fraudar ausência em empresas
José (nome fictício) é um rapaz franzino, que ganha a vida arregimentando fregueses para compradores e vendedores de ouro e objetos banhados pelo metal nas proximidades da Praça Sete, a mais movimentada de Belo Horizonte. Há uma década no local, ele veste coloridas camisas com os dizeres “compro ouro”. Mas essa não é a única atividade lucrativa do jovem, de aproximadamente 25 anos. O rapaz também negocia atestados médicos furtados de hospitais e outras unidades de saúde da capital.
O comércio clandestino, como o praticado por José, tem alimentado a indústria do chamado absenteísmo ou falta ao trabalho. A licença forjada que chega para o patrão com código da doença, carimbo do especialista em papel timbrado do SUS, custa a partir de R$ 15 no Centro da Capital. “O preço não é por folha. Cobro por dia que você deseja se afastar do serviço. Cada um custa R$ 15. Tem carimbo de médico e tudo”, esclareceu José para, logo, emendar: “Mas se quiser posso entregar (o documento) em branco. Só que é mais caro”.
O Estado de Minas, com objetivo de alertar as autoridades competentes de que há um balcão de atestados médicos falsos na Praça Sete, pagou R$ 40 ao rapaz em troca de um documento em branco. O valor do documento vai crescendo de acordo com o número de dias que o trabalhador quer se afastar do serviço. Para o vice-presidente de Política, Relações Trabalhistas e Recursos Humanos do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), Bruno Vinícius Magalhães, isolando as faltas que tem justificativa real, o mercado aquecido de trabalho passou a ser combustível para atestados de procedência duvidosa, já que se tornou fácil conseguir bicos e mesmo emprego formal. “Já tivemos diversas queixas e comprovações de documentos falsos.” Para lidar com o problema, o Sinduscon diz que iniciou uma campanha de conscientização nos canteiros, mostrando que a conduta rende demissão por justa causa.
Demissões Depois de receber uma denúncia anônima, a empresária Suely Rocha Mitraud Ruas iniciou uma apuração dentro da Reluz Serviços Elétricos, em Contagem, para verificar a suposta ação de compra e venda de atestados entre seus funcionários. Ao analisar os atestados mais recentes, comprovou- que muitos deles tinham o carimbo do mesmo médico, mas a assinatura era diferente. Na sequência, por dois meses, ela foi em todos os hospitais e postos de saúde para comprovar se os trabalhadores tinham sido mesmo atendidos lá. Mais uma fraude: em apenas um caso o funcionário havia estado na unidade. Em todos os demais, os médicos, apesar de serem registrados no Conselho Regional de Medicina (CRM), sequer trabalhavam lá.
Encerrada a investigação, 10 pessoas foram demitidas. “Para demiti-los por justa causa fiz toda a apuração prévia”, diz a empresária, observando que apenas um deles entrou na Justiça do Trabalho para tentar reverter o caso e perdeu. Em um dos casos, o atestado dava licença de 14 dias para o falso paciente. Mas o prejuízo era bem maior. Segundo ela, ao todo, os dias faltosos dos trabalhadores somavam mais de 60 dias, o que causou transtornos para a produção da empresa. “O serviço é todo programado e a falta de um significa redução da produção.” Já o empresário J.S, do setor de metalurgia e que prefere não se identificar, foi até o médico e verificou se era dele mesmo os atestados apresentados por seus funcionários. “O médico disse que nunca tinha assinado coisa nenhuma. Pouco tempo depois, o autor do crime foi preso”, relata o empresário.
Médico diz ser vítima de roubo
Médicos só se dão conta de que seu nome está carimbando folgas que variam de um a 14 dias para falsos pacientes quando são acionados pelas empresas, que, surpreendidas pela avalanche de atestados, decidem verificar com o profissional da saúde se a assinatura é mesmo dele. A folha negociada por José leva o carimbo do doutor Marcus Vinícius C. de Andrade. O médico informou que registrou ocorrência tanto na polícia quanto no Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG). “Meu carro foi arrombado em setembro do ano passado. Levaram objetos que estavam nele, como o carimbo (com o CRM-MG). Isso está me dando muita dor de cabeça”, lamentou.
O médico não sabe em qual unidade de saúde o atestado carimbado com seu registro foi furtado: “No meu carro não havia folhas”. Questionada sobre a segurança nas instituições de saúde do município, a Prefeitura de Belo Horizonte informou em nota que os atestados médicos da rede SUS-BH têm número de identificação, carimbo da unidade de saúde e do médico que o atendeu. A prefeitura ainda ressaltou não ser frequente a formalização de denúncias de uso indevido de impressos da PBH/SUSBH junto à Gerência de Gestão de Trabalho e Educação em Saúde da Secretaria Municipal (GGTE), responsável pela apuração da veracidade do documento. Segundo a PBH a empresa ou qualquer cidadão que suspeitar da falsidade do atestado médico emitido pelas unidades de saúde da PBH deve comunicar o fato à Ouvidoria (3277-7722). A unidade de saúde é procurada e verifica se o paciente foi atendido No local. É confirmado, ainda, o nome do médico e sua especialidade.
Veículo: O Estado de Minas