A discussão sobre a rotulagem dos alimentos transgênicos no Brasil é um daqueles fenômenos que só ocorrem quando a visão distorcida de pequenos grupos da sociedade é incorporada pelos gestores de um país. Enquanto o bom senso aponta para uma preocupação pertinente de garantir ao consumidor o direito à plena informação, o Decreto 4680/03, que trata do tema, equivoca-se ao exigir o uso de um símbolo - triângulo amarelo, com a letra T ao centro - claramente criado não para informar, mas para desestimular o consumo desses alimentos.
O triângulo, que é sem dúvida o elemento motivador desse debate, ao invés de beneficiar o consumidor, provoca distorções em diferentes áreas do País e prejudica o desenvolvimento de importantes setores da sociedade.
Um exemplo claro das deformações causadas por esse símbolo começa na indústria da alimentação e termina na agricultura. Empresas que usam a soja como matéria-prima, apesar de já terem se manifestado confiantes sobre a segurança dos transgênicos, são obrigadas a estabelecer um rígido controle de não uso do grão geneticamente modificado, somente para evitar o triângulo amarelo nas embalagens de suas mercadorias.
Esse recurso da indústria, cuja aplicação é plenamente compreensível pelo receio à reação do consumidor ao símbolo, aumenta os custos de produção, podendo impactar no desempenho de todo o setor. Mais ainda, essa medida atrapalha o pleno avanço da biotecnologia agrícola no País, uma vez que limita artificialmente o crescimento na demanda pelos transgênicos - o que pode levar ao enfraquecimento da agricultura nacional.
Além disso, a exigência do uso do triângulo amarelo não se baseia em qualquer precedente internacional, até porque as regras de rotulagem estabelecidas no Mercosul e no Codex Alimentarius da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) sequer apresentam dispositivos específicos para produtos feitos a partir de organismos geneticamente modificados (OGMs). Ou seja, o Brasil é o único país a adotar um símbolo de alerta em produtos transgênicos aprovados para consumo humano, o que pode ocasionar, também, sérios problemas nas relações comerciais internacionais.
A defesa do uso do triângulo e a discussão sobre a rotulagem dos transgênicos tornam-se ainda mais incongruente e sem sentido, respectivamente, à medida que os argumentos são postos à mesa.
Basicamente, o discurso dos apoiadores do triângulo defende que sua adoção se faz necessária para informar o consumidor de forma clara sobre a composição dos produtos alimentícios colocados no mercado. Ora, se esse fosse o real objetivo dos grupos de pressão que influenciaram o processo de confecção do decreto, não se escolheria um símbolo que, segundo a norma ISO 3.864/02, é utilizado para placas de advertência, atenção e existência de risco, afixadas em locais de perigo. Sem medo de errar, a idéia focal desse tipo de rotulagem é coibir o consumo e, conseqüentemente, o avanço dos transgênicos.
Se considerássemos como verdadeira a suposta preocupação dos defensores do triângulo em garantir o direito à informação, haveria convergência de idéias em torno do tema, e não contenda, uma vez que a indústria, parte que se opõe ao símbolo, se demonstra totalmente favorável a informar seus consumidores sobre a natureza transgênica dos ingredientes de seus produtos, tão logo eles sejam adotados. Ocorre que, sem uma revisão adequada das normas de rotulagem, dificilmente os OGMs serão utilizados em grandes quantidades pelas empresas.
Felizmente, o entendimento sobre o atraso e os prejuízos provocados pela exigência de uso do triângulo amarelo nos rótulos dos produtos com ingredientes GM começa a ganhar espaço no Congresso Nacional. No mês passado, o deputado federal Luiz Carlos Heinze (PP-RS) protocolou o Projeto de Lei 4.148/08, propondo alterar o artigo 40 da Lei 11.105/05, que prevê a rotulagem dos transgênicos conforme o Decreto 4.680/03. Se aprovado, o PL substituirá o triângulo pelos termos "transgênicos" ou "contém transgênicos", dependendo do caso.
O PL da Rotulagem, que deve chegar ao plenário da Câmara dos Deputados muito em breve, traz uma ótima oportunidade para começarmos a eliminar o mau hábito de defender outros interesses em nome dos consumidores. Se há algo muito claro neste cenário é justamente o oposto do que pregam os apoiadores do uso do símbolo. A matemática dessa conta é muito simples: se prejudica o setor produtivo, a agricultura, e as relações comerciais internacionais, além de provocar um medo injustificado de consumo, definitivamente não favorece o consumidor.(Rui Geraldo Camargo Viana)
Veículo:Jornal do Commercio - RJ